O recém-lançado Deuses do Egito passou seus primeiros dias em cartaz sob fogo cerrado. Isso aconteceu devido ao fato do filme não ter praticamente nenhum ator de pele negra ou escura no elenco (tampouco dentre os protagonistas), mesmo levando em conta que a trama do filme se passa no Egito antigo.


E esse nem é o pior pecado que a produção cometeu. O verdadeiro problema foi não escalarem um único ator de nacionalidade egípcia (ou ao menos descendente de tal) no elenco. Deixando as ambições narrativas e visuais do diretor Alex Proyas de lado, essa crise de marketing do filme leva a seguinte pergunta: faz sentido contar uma história de época com forte contexto cultural específico se os produtores não se dão ao mínimo trabalho de recriar o cenário original com um mínimo de fidelidade e esforço?



Muitos simplificariam ou questionariam esse debate como um "mimimi" do movimento politicamente correto. Não acho que seja o caso. A verdade é que vivemos em um mundo extremamente diversificado racialmente e culturalmente. Só que tanto o mundo do marketing corporativo e a indústria cinematográfica ainda não evoluiram o suficiente para reconhecer essa diversidade e incorporá-la em suas narrativas. Agências de talento e diretores de elenco também ainda tem um longo caminho a percorrer. Ainda pensam como se estivéssemos vivendo no século XX.


Lembrando: estamos em 2016. Não estamos assistindo a Cleópatra de 1963 com Richard Burton e Elizabeth Taylor.


Já se viu essa luta por igualdade e representação diversificada em tantas outras formas de entretenimento. Recentemente, a Marvel fez do Homem-Aranha um personagem negro. Personagens gays tem muito mais presença na televisão atual do que há vinte anos atrás.


O próprio Oscar desse ano tornou-se palco de controvérsia pela ausência gritante de atores negros merecedores do troféu. É claro que Deuses do Egito não possui grandes pretensões artísticas, sendo um clássico blockbuster hollywoodiano. Mas é por ter esse alcance de público que é obrigação do filme incorporar o máximo de diversidade em elencos para produções deste porte.


Por que o cinema sempre foi composto de heróis caucasianos, com mulheres, negros e pessoas de gêneros alternativos sempre ficando para escanteio? A verdade é que o cinema surgiu numa época em que quem ia ao cinema era justamente pessoas brancas, com poder econômico e aquisitivo. Pensemos bem: era o início do século XX. Uma era extremamente conservadora, onde não se cogitava quebrar valores tradicionais ou violar instituições sagradas. Foram necessárias duas guerras mundiais, diversos movimentos culturais, sociais além de inúmeras evoluções tecnológicas e muita educação e escolaridade para chegar onde estamos hoje.


Ao mesmo tempo, acho que o fator mais importante na escolha de um elenco é o talento que cada ator traz e de que forma ele/ela se adequam ao papel que interpretarão. Se Nikolaj Coster-Waldau consegue viver o papel de Horus com mais convicção, realismo e intensidade do que um ator egípcio, que assim seja. Nada mais justo do que ter alguém capaz de realizar o papel da melhor forma possível, independente da nacionalidade ou herança.


Mas se há um intérprete egípcio capaz de viver o papel com a mesma intensidade ou maior que o dinamarquês, é obrigação dos produtores darem uma chance a ele (e pode apostar que existem diversos candidatos disponíveis; é uma questão de encontrá-los). Elodie Yung é a única atriz principal no filme que possui qualquer semelhança com o papel que vive, graças a sua herança cambojana.


O cinema é um retrato do mundo em que vivemos, e estamos numa era em que é impensável ignorar ou maquiar partes do mundo que sejam vistas como estrangeiras ou exóticas demais para o público ocidental. Uma série como Sense8 mostra de cara como o público de hoje é mais do que capaz de abraçar uma narrativa de cunho multicultural com diversidade e preferências alternativas.


Resta aos produtores hollywoodianos, ao mundo do marketing e aos diretores de elenco sacarem isso.



Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 11:43  

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