Recentemente, a Sony anunciou uma iniciativa de disponibilizar "filmes limpos" em várias plataformas de streaming. Isso daria ao estúdio o poder de editar filmes antigos de forma a relançá-los para um público mais amplo, omitindo cenas de conteúdo forte ou considerado inapropriado.


A lista inclui clássicos consagrados no cinema como todos os filmes dos Caça-Fantasmas, Moneyball, Capitão Phillips, todos os filmes do Homem-Aranha, Hancock, Inferno, filmes do Adam Sandler, comédias de Seth Rogen, e muitos outros. Todos eles desprovidos de cenas picantes, com violência reduzida, e ausentes de palavrões ou qualquer diálogo ofensivo.


E isso é uma péssima direção a ser tomada na indústria cinematográfica. E digo mais: isso se chama censura.


Há dois motivos que mostram como essa é uma decisão equivocada:


1. Diretores não são consultados a respeito de qualquer edição feita em seus filmes. Isso em si já representa violação de algumas regras trabalhistas, desrespeitando o trabalho do diretor.


2. Lançar uma versão limpa, com cenas, piadas e tramas omitidas quebraria completamente as intenções originais da obra como originalmente concebida.


Entendo que o estúdio esteja passando por um período financeiro bastante precário, e busca recuperar suas perdas. Isso é perfeitamente compreensível. A Sony deseja ampliar o público de seus filmes? Ótimo. Só que há um problema com essa mentalidade. Que público é esse que deseja uma versão limpa de um filme como Capitão Phillips, repleto de violência e terrorismo? Que público é esse que pretende ver uma comédia como Gente Grande ausente das piadas nojentas típicas dos filmes de Sandler? Não vejo crianças de 8 anos curtindo um filme de Sandler, e o público de 12 anos que curte continuará a entrar às escondidas nas sessões do filme cuja censura é maior.


Como seria uma versão asséptica de um filme de super-heróis afinal? Menos cenas de ação? O Homem-Aranha não pularia mais de prédio em prédio para não incentivar crianças a fazerem igual? Imagina o impacto de cortar fora uma sequência que custou milhões com todos seus efeitos especiais. Seria um menosprezo do trabalho duro de muitos artistas e técnicos.


Não estou entrando nos méritos artísticos dos filmes citados na lista acima, e também não acho que exista uma ditadura do politicamente correto, até porque os filmes teriam duas versões disponíveis via streaming, mas nesse caso nem era para essa opção existir. Para começar, criaria confusão para os espectadores menos assíduos que assistem via streaming, que poderiam acidentalmente escolher a versão inferior sem ao menos saber.


Se existe um público que se ofende com elementos desses filmes, não vai ser uma versão mutilada na edição que irá convencê-los a mudar de idéia. Há de se entender que existe um segmento do público norte-americano que possui mente fechada, cegos por dogmas religiosos ou até mesmo sua própria ignorância e incapacidade de aceitar um mundo diversificado com vários pontos de vista e idéia discutidas. Esse é o povo que elegeu Donald Trump.


Também é possível que isso faça parte de um movimento de entrada no já complicado mercado chinês. Só que não faz sentido nenhum adotar essa mesma estratégia no mercado norte-americano. Imagina se essa linha de pensamento contamina as demais distribuidoras internacionais, incluindo a brasileira? Isso criaria precedentes perigosos para qualquer filme que contrarie qualquer segmento minoritário de público.


É ingenuidade de qualquer estúdio querer adaptar um conteúdo desses já existente a esse público. Muitos profissionais por trás desses filmes vem expressando indignidade à Sony com toda a razão, dentre eles os comediantes Judd Apatow e Seth Rogen. É o trabalho deles que vem sendo alterado sem seu input. E eles tem todo o direito de proteger o trabalho deles. A edição de um filme é resultado direto de suas escolhas.


Mas sem querer condenar desmasiadamente o público pelas escolhas que faz, a simples verdade é que nem todos os filmes são feitos para todos os públicos. Uma pessoa religiosa provavelmente não irá assistir a um filme de terror, com conteúdo violento ou sexual. Uma pessoa que não acha graça em comédias-pastelão não irá mudar de idéia somente porque o filme terá uma segunda versão mais amena. O trailer original do filme já terá afugentado esse público. E ao tomar esse rumo, a Sony também arrisca alienar bons cineastas talentosos e perdê-los para outros estúdios competidores.


No fim das contas, os executivos que dominam a hollywood atual tem de aprender que cada filme tem seu público-alvo, e tentar puxar segmentos que não cultivam esse interesse é um disperdício de tempo e dinheiro, além de criar precedentes perigosos que ameaçariam os direitos autorais de quem executou tais filmes. Não é todo mundo que curte Star Wars, assim como não é todo mundo que atura Notting Hill.


Existe espaço para tudo nesse mundo, mas a integridade dos filmes pode e deve ser protegida a qualquer custo.



Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 11:55  

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