Os Ignorados do Oscar

(24 de jan. de 2017)




Foi revelado hoje a lista de indicados ao Oscar 2017.


Dentre os favoritos, temos Moonlight, La La Land, Manchester à Beira-Mar, além de outros. Atores como Ryan Gosling, Emma Stone, Casey Affleck, Denzel Washington, Natalie Portman, Viggo Mortensen e Meryl Streep lideram as indicações nas várias categorias.


Contudo, não são eles que iremos discutir.


Todo ano há algum filme que acaba ficando de fora da premiação. Geralmente por problemas de campanha ou outros motivos, mas sua ausência fica sentida, pois são obras de qualidade, e em muitos casos estando no mesmo patamar dos indicados.


Animais Noturnos recebeu apenas uma indicação, a de Melhor Ator Coadjuvante para o excelente Michael Shannon (e que espero que leve a estatueta).


O filme foi uma das grandes surpresas do ano. Escrito e dirigido por Tom Ford, baseado no romance de Austin Wright, o filme é um exercício de metanarrativa com uma execução impressionante. Ele se divide em duas histórias: a do mundo real, protagonizada por Amy Adams, que é uma curadora de arte que se deixa levar por um livro escrito pelo seu ex-marido. A segunda história é o romance em si, que detalha a jornada de um pai de família que se envolve num acidente na estrada, cujas complicações terminam com sua esposa e filha sendo estupradas e mortas pelo outro motorista. Isso o coloca numa jornada em busca de vingança.


Jake Gyllenhaal é a força-motriz do filme. Vivendo tanto o ex-marido de Adams quanto o protagonista fictício do livro, ele transmite a vulnerabilidade e o sentimento de incapacidade. Assim como a personagem de Adams se envolve na trama do livro, o público assistindo ao filme segue a jornada de Gyllenhaal rangendo os dentes. E Shannon quase rouba a cena como o detetive que o ajuda.


A fotografia é um espetáculo, e as performances de Gyllenhaal, Adams e Shannon dão peso aos personagens. Fato que Gyllenhaal merecia uma indicação. Mas também pode se admitir que a categoria de Melhor Ator Principal estava bastante concorrida, tendo nomes de peso como Viggo Mortensen e Casey Affleck disputando a estatueta. Era uma proposta difícil incluir Gyllenhaal nessa.


Mas não incluir o trabalho de Tom Ford, que teve o trabalho de roteirizar e dirigir o longa por conta própria mostra um certo nível de indiferença e omissão por parte do comitê de votação. Não há trabalho mais difícil num filme do que direção. Este requer um conhecimento extenso de várias artes distinas, e também requer um forte compromisso pessoal. Além disso, adaptar uma história para o cinema é uma tarefa árdua, complicada e duradoura. Shannon pode ser um grande ator capaz de chamar atenção, mas o grande astro deste filme é a história em si. O esforço de Ford merecia mais atenção.


Outro filme que ficou completamente de fora da disputa foi Silence, a mais nova obra de Martin Scorsese.


O filme segue dois padres jesuítas (Adam Driver e Andrew Garfield) que viajam para o Japão a procura de seu mentor (vivido por Liam Neeson), e acabam tendo sua fé testada e abalada nessa jornada, que ocorreu numa época em que o catolicismo era proibido por lei.


Por um lado, foi o filme que uniu dois ícones de Star Wars (Qui-Gon Jinn e Kylo Ren). Por outro, foi uma obra ousada e atípica de Scorsese, que não lidava com questões religiosas desde A Última Tentação de Cristo. Só pelo trailer, dá para ver que o filme merecia muito mais reconhecimento por parte da academia. Um trabalho pessoal e dedicado, feito com maestria.


Silence recebeu apenas uma indicação, de Melhor Fotografia, graças ao trabalho de Rodrigo Prieto.


Infelizmente, este foi um filme que foi lançado tarde demais. São dezenas de filmes submetidos a indicação todo ano. Simplesmente não há tempo para assistir a tudo e conseguir fazer uma escolha bem definida. Sobressaem os filmes que fazem boa campanha para conseguir a atenção do comitê de votação (que passa de 7000 profissionais). Se Silence tivesse sido exibido meses antes, esse comitê teria tido mais tempo para perceber sua existência. Tanto que esse lançamento tardio acabou por minar qualquer chance de indicações em outras premiações pré-Oscar (ele ficou ausente no Globo de Ouro). Só de ele ter conseguido uma indicação de fotografia já foi uma vitória.


Voltando a Amy Adams, há outro filme dela que vale uma menção: A Chegada. Esse até recebeu várias indicações (incluindo Melhor Filme), mas ainda há uma injustiça dentre elas.


O filme, para quem não lembra, lida com a jornada de uma professora de linguística (vivida por Amy Adams) que recebe do governo norte-americano a missão de estabelecer contato com uma raça alienígena cujas naves pousaram na Terra.


A princípio, a trama lembra muito o filme Contato, de Robert Zemeckis, com Adams se adaptando a um papel bastante similar ao vivido por Jodie Foster. Mas este não é um filme sobre crença no desconhecido, e sim uma história de aprendizado. Sem escorregar em spoilers, a personagem Louise Banks enfrenta uma jornada de auto-conhecimento em meio a uma crise mundial. Banhado pela belíssima fotografia de Bradford Young e pela inesquecível trilha de Jóhann Jóhannsson, o filme é uma experiência deslumbrante que faz o público ponderar o valor da comunicação e como ela é essencial para nossa existência.


Este foi mais um acerto do sempre competente diretor Denis Villeneuve, cuja filmografia tem demonstrado uma diversidade impressionante (visto em filmes como Sicario). Ao contrário de cineastas como Christopher Nolan - que possui certas tendências narrativas - Villeneuve é capaz de contar histórias distinas e originais através dos mais diversos gêneros, e geralmente com personagens mais realistas.


Adams é eletrizante em cada minuto do filme. Ela que já tinha mostrado seu alcance em filmes como Trapaça e O Vencedor, foi capaz de carregar o peso da personagem e da narrativa de forma impecável. Ela possui imensa afinidade com o personagem vivido por Jeremy Renner. Mais do que qualquer outra coisa, sua expressão é essencial, já que boa parte do filme é contada através de seus olhos, e suas reações perante aos eventos que vivencia.


Contudo, Adams nem sequer entrou pra lista das indicadas a Melhor Atriz Principal. Já é uma competição forte demais, e isso apenas para ser indicada. Não sei o quanto o estúdio investiu na campanha de premiação, mas o favoritismo descarado de La La Land me faz questionar se Emma Stone realmente merecia ocupar uma dessas indicações. Era evidente que Natalie Portman e Isabelle Huppert seriam indicadas. E por mais que se admire o sempre excelente trabalho de Meryl Streep, era realmente necessário indicá-la mais uma vez? Por que não abrir mão somente dessa vez e dar espaço para uma artista menos conhecida?


Omitir também a trilha de Jóhann Jóhannsson foi outro erro. Você percebe a qualidade de um filme por sua trilha. As melhores obras possuem trilhas reconhecíveis que melhoram com o passar do tempo. Ninguém vai se lembrar da trilha de Jackie daqui a alguns anos.


Mas felizmente, esses são os únicos casos de omissão. A Chegada conseguiu várias indicações, incluindo por melhor roteiro, direção, edição e principalmente pela belíssima direção de fotografia. Young é o primeiro fotógrafo negro a ser indicado nessa categoria. Esse é um que merece torcida (e que provalvemente e infelizmente perderá para La La Land). Se ganhar nessas categorias, já será vantajoso para todos os que se esforçaram. Precisamos de mais filmes assim no cinema atual.


Veremos quais filmes ganharão em breve. Se serão aqueles que merecem é outra questão.



Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 08:18  

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