Há algum tempo atrás, publiquei um post falando da forma como a dublagem vem dominando as salas de cinema pelo país, tirando o espaço das cópias legendadas. Esse post terá o mesmo tom, mas lidando com uma outra questão até mais profunda que vem sendo percebida em filmes recentes: a presença cada vez maior da narração em off.


Quem assistiu ao seriado Narcos, disponível no Netflix, sabe do que estamos falando. A série que aborda a vida e o legado de Pablo Escobar utiliza-se de diversos recursos para contar essa história. O mais relevante tem sido a narração, feita pelo próprio protagonista. Como muitos devem se lembrar, Tropa de Elite teve sua narrativa sustentada pela narração do Capitão Nascimento. O fato de José Padilha estar envolvido com a produção de Narcos mostra que ela possui semelhanças temáticas com os dois filmes, mas que sem dúvida essa é uma tendência recorrente não só do cinema brasileiro, mas que também vem ganhando espaço em Hollywood.


A narração não era um recurso utilizado antigamente. Ela tornou-se popular com o lançamento de Goodfellas - Os Bons Companheiros, de Martin Scorsese. A trama do filme era narrada pelo personagem de Ray Liotta, que descrevia todos os aspectos, introduzia todos os personagens relevantes e sempre tinha comentários na maioria das reviravoltas presentes.



Agora vamos para hoje em dia. O que se mais vê em filmes? Narrações que descrevem os próprios eventos sendo retratados perante nossos olhos. Parece até que estamos assistindo uma sessão feita para o público cego ou com deficiências visuais.



Vi isso pessoalmente no oitavo episódio de Narcos. Sem entrar em spoilers, o episódio mostrava eventos marcantes na vida de Escobar que não precisavam de explicação. O público era mais do que capaz de entender o que estava acontecendo sem ajuda externa. O olhar transmitido por Wagner Moura deixava as motivações de Escobar claras. Só que então, entra a narração que faz questão de verbalizar tudo que já estava óbvio.


Existe o argumento de que esse é um mal necessário para que o público possa entender o que está acontecendo. Discordo completamente disso, até porque durante décadas o público foi capaz de assistir a filmes sem precisar de qualquer ajuda. Se o espectador não consegue entender a história sendo contada, existem duas possíveis explicações por trás: ou o espectador possui déficit de atenção, ou o filme tem um roteiro mal escrito e desenvolvido. E geralmente, as duas respostas valem.


Infelizmente, vivemos numa época em que vivemos constantemente distraídos. A gente senta em mesas de restaurante e passa o tempo olhando para a tela do telefone ao invés de aproveitar o ambiente e a companhia. Isso também acontece quando assistimos a TV ou frequentamos as salas de cinema. O que mais se vê são pessoas com a atenção dividida. Como esperar o mínimo de dedicação a entender a trama de um filme se o espectador considera a distração importante o suficiente para tirar seu foco? Pessoalmente, considero isso uma aberração, sintomática da era atual. O fenômeno dos zumbis digitais. Pretendo abordar essa questão mais a fundo em outro post, principalmente a questão de quem usa aparelhos no escuro do cinema. Voltemos a questão da narração em off....


O grande trunfo de Goodfellas era que a narração mostrava de forma subjetiva como Henry Hill analisava seu próprio histórico. Ele interpretava os eventos do filme do ponto de vista dele, e isso entrava em conflito com certas verdades. Às vezes, a narração fugia dos eventos sendo retratados. Além disso, quando o personagem cometia um ato irrepreensível, o narrador ficava ausente, deixando claro que ele era incapaz de encarar certos fatos e verdades. O Lobo de Wall Street, também de Scorsese, brincou com essa subjetividade da mesma forma. Veja a cena em que Belfort, vivido por DiCaprio, narra a cena em que ele dirige de volta para casa após ficar drogado. Fica claro que a memória do próprio narrador é tão falha quanto a nossa, criando uma relação de adversidade com a própria trama.


Só que essa não é o caso com a maioria dos filmes. Esses usam a narração como apoio narrativo. Na maioria dos casos, a narração é escrita e inserida após as filmagens. Isso deixa o filme com sinais de feito às pressas, destinado a ser criticado, mesmo que tenha êxito na bilheteria. Isso reflete a mentalidade corporativa atual, que trata o público consumidor como gado a ser guiado em certo caminho, assumindo que ele é incapaz de dedução e conclusão. É o mesmo princípio do marketing: estimular as sensações ao invés da inteligência.


No fim das contas, não acho que a narração seja uma presença permanente, pelo menos não de forma tão predominante como atualmente. Filmes refletem a época em que são produzidos. Geralmente, isso é uma moda que tende a passar.




Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 10:12  

0 comentários:

Postar um comentário