Após o sucesso de Star Trek, em 2009, a Paramount estava pronta para seguir em frente com a franquia e o novo elenco. Contudo, levou quatro anos para que a continuação chegasse aos cinemas.


Isso se deve ao fato de J.J. Abrams ter focado na direção de Super 8. Ao mesmo tempo, Damon Lindelof tentava finalizar Lost, enquanto que Roberto Orci e Alex Kurtzman lidavam com vinte projetos de roteiro ao mesmo tempo. Já os atores começavam a desfrutar da fama e abocanhavam papéis em novas produções. Estavam todos ocupados. Isso fez com que Além da Escuridão - Star Trek fosse lançado somente no verão de 2013.


Uma vez houve o argumento de que Jornada nas Estrelas merecia um descanso para revigorar a narrativa e desenvolver novas idéias sem se repetir. Além da Escuridão é exemplo de que nem sempre isso é uma boa idéia, principalmente quando os autores têm a idéia de repetir elementos de um filme lançado há mais de 30 anos.


Orci, Kurtzman e Lindelof fizeram questão de trazer de volta o vilão Khan. Originalmente vivido por Ricardo Montalban na série e no segundo filme, o papel foi ressuscitado pelo excelente ator britânico Benedict Cumberbatch.


Quando mudaram a linha temporal e causaram eventos drásticos como a destruição de Vulcano, a idéia era seguir um caminho novo, livre da mitologia pré-estabelecida na franquia. Trazer Khan de volta vai contra esse princípio em todos os aspectos.


E ele não encaixa nem um pouco na trama. O roteiro parece uma série de tramas distintas coladas num único filme. Fica menos natural que filmes como Generations. A trama lida com John Harrison, um ex-agente do Almirante Marcus (Peter Weller) que tinha a missão de construir armas para ele, a fim de militarizar a frota, mas acabou rebelando-se após Marcus colocar seus compatriotas congelados como reféns.


Enquanto isso, Kirk perde o comando da Enterprise após violar a Primeira Diretriz, e Pike reassume a nave. Contudo, numa reunião para discutir Harrison no quartel general da frota, todos os almirantes se reúnem num lugar só. Claro que se tornam alvos diretos de Harrison, que bombardeia o local, matando a maioria dos almirantes e capitães, incluindo Pike. Kirk e Spock partem com a Enterprise em busca de vingança. Por motivos inexplicáveis, Harrison se escondeu em Kronos, mundo dos Klingons.


Scotty abandona sua posição de engenheiro após Kirk e Marcus colocarem os torpedos na nave, violando a missão de paz (o que coloca Chekov como engenheiro-chefe). Mais tarde, Kirk descobre que os torpedos contém os corpos congelados da tripulação de Harrison. Quando o capturam, descobrem que ele é na verdade Khan, um superhumano geneticamente modificado e megalomaníaco.


Como Kirk não matou Khan, Marcus intercepta a Enterprise com sua nave Vengeance e destrói seus motores. Kirk e Khan unem forças para salvar a filha de Marcus, Carol (Alice Eve). Kirk está ciente de que Khan pode traí-lo, mas quando eles detém Marcus, com a ajuda de Scotty, Khan os imobiliza. Spock os transporta de volta a nave enquanto que Khan assassina Marcus. Em seguida tenta destruir a Enterprise, mas um ato de sabotagem de Scotty destrói os motores da Vengeance. Ambas as naves começam a cair na atmosfera da Terra. Kirk nocautea Scotty e invade o reator da Enterprise, se sacrificando para consertar os motores da nave. A Enterprise levanta vôo, enquanto a Vengeance aterrisa em São Francisco, causando destruição em massa.


Spock enfrenta a morte de Kirk, e parte em busca de vingança contra Khan. Ele persegue e ataca ferozmente o vilão, mas é detido por Uhura e McCoy, que afirmam que podem trazer Kirk de volta graças ao sangue superhumano de Khan. Kirk é trazido de volta, e Khan é preso. Com a tripulação reunida, e a Enterprise reparada, eles partem em sua missão de cinco anos pelo espaço.


Por onde começar? O filme é repleto de conveniências. O teletransporte intergalático é justificável, pois foi estabelecido no filme anterior como tecnonologia do futuro trazida pelo velho Spock (Leonard Nimoy). Já Kirk ligar para Scotty de Kronos para a Terra, usando um comunicador como se fosse um telefone celular não faz nenhum sentido. Por sinal, não faz sentido nenhum Khan ir para Kronos. A presença dos Klingons não faz sentido a não ser para justificar a paranóia de militarização do Almirante Marcus.


Por sinal, o personagem do Almirante Marcus é pouquíssimo diferente de John Frederick Paxton, um personagem ultranacionalista que era contra a imigração e presença alienígena na Terra, visto em vários episódios de Enterprise. Inclusive, ambos são interpretados pelo mesmo ator, Peter Weller, que muitos conhecem como o Robocop original. Fico imaginando se Orci, Lindelof e Kurtzman estavam cientes desse paralelismo quando criaram o personagem ou se foi uma gafe de Abrams na hora de escolher o elenco de apoio. De qualquer forma, fica redundante.


Esta foi uma tentativa de Roberto Orci elevar o nível de paranóia do filme. Orci é conhecido por explorar teorias conspiratórias, principalmente a respeito de como os EUA supostamente teriam orquestrado os eventos do 11 de setembro para justificar uma renovação do projeto militar-industrial. Quem seguiu ele quando tinha uma conta no Twitter sabe bem o nível da obsessão.


Uma personagem completamente dispensável é Carol Marcus. É apenas mais uma tentativa de refazer A Ira de Khan no presente. Carol Marcus tinha alguma relevância no filme anterior para o desenvolvimento de Kirk. Desta vez, ela não tem justificativa para fazer parte da trama. A forma como ela torna-se parte da tripulação é completamente artificial. Todo esse desperdício é sintetizado na cena grosseiramente gratuita na qual ela muda de roupa na frente de Kirk. O próprio Lindelof pediu desculpas pela cena após o lançamento, admitindo que Abrams a incluiu para agradar o público masculino. Como se não fosse suficiente todas as cenas apelativas que tivemos com T'Pol e Seven of Nine.


A cena em que Khan destrói metade de São Francisco quando aterrisa a nave seria até compreensível se tivesse ramificações maiores. Contudo, a possível morte de milhares de pessoas é praticamente ignorada. Isto aconteceu em 2013, o ano em que também tivemos o mesmo problema nas cenas de batalha de Superman contra Zod em O Homem de Aço. Criar sequências de ação via efeitos visuais é um trabalho impressionante, desde que a narrativa justifique essa ação.


A aparição do velho Spock, por mais bem vinda que seja, não tem muita lógica. Por que o jovem Spock consultaria seu alterego para entender a situação envolvendo Khan? Não faz muito sentido narrativamente, a não ser para dar uma cena a Nimoy e para reiterar o quanto Khan é mal.


A direção de Abrams mais uma vez beira o excessivo, com contraluz, câmera inquieta e edição extremamente picotada. Lembro quando Star Wars era visto como excessivo visualmente, mas a forma como Abrams coloca o espectador na ação vai muito além. Se assistir o filme em 3D, é bem possível a possibilidade de enjôo. Não condeno filmes por excesso de explosões, mas a forma como elas são visualizadas certamente impacta o espectador, seja positivamente ou negativamente.


Mesmo com seus problemas, o filme consegue encontrar um eixo narrativo que cataloga a evolução de Kirk, Spock, e em grau menor Uhura. Os atores se esforçam em seus papéis, principalmente Zachary Quinto e Cumberbatch. Chris Pine permanece competente no papel do capitão. Os efeitos e a música também impressionam. Que o filme mostra esforço, ninguém pode discutir.


Já a morte de Pike (Bruce Greenwood) é um dos melhores momentos do filme (apesar de Kirk ter de apontar a idiotice de reunir todos num alvo tão fácil de ser atingido). Spock une-se a mente de Pike e fica com a dor e o medo registrados. Ao mesmo tempo, o filme mostra Kirk cada vez menos confiante como capitão (até por seus erros na abertura do filme). Ele não se considera capaz de tomar decisões que possam afetar as vidas de outros, e percebe o quanto Spock seria melhor no comando da nave.


Por mais que seja uma cópia exata do final da Ira de Khan (inclusive repetindo falas do filme), considero o sacrifício de Kirk um dos melhores momentos do filme. A cena em que Spock encara Kirk cara-a-cara com seu amigo à beira da morte é uma das mais tristes já filmadas em Jornada. Por um lado, corrige um dos problemas de Generations, que foi a ausência de Spock numa história que lidava com a morte de Kirk. Por outro, ele aborda uma questão pertinente entre eles. Kirk e Spock não começaram como amigos nessa linha temporal. Foi necessário um empurrão do velho Spock para começar a aproximá-los. O triste nessa cena é que toda aquela amizade em potencial que poderiam ter tido jamais seria concretizada. Por isso, quando vemos Spock chorando é como se tomássemos um golpe no estômago. Só tiveram dois filmes juntos. É uma cena praticamente perfeita, carregada pela emoção.


Além disso, a morte de Kirk teria mostrado o quanto esta linha temporal é diferente e perigosa. Se no primeiro filme, Vulcano é destruída, e no segundo perdemos não somente Kirk (o protagonista) mas também Pike, qualquer coisa pode acontecer. Esse clima de incerteza funciona muito bem no contexto desses dois filmes.


Contudo, os roteiristas tiveram a audácia de ressuscitar Kirk, um ser humano, em menos de 10 minutos de filme.


Levemos em conta o fato de que ele estava encharcado de radiação. Trazer ele de volta era impossível. A transfusão do sangue geneticamente modificado só funcionaria se ele ainda estivesse respirando. Além do que, para que manter Khan vivo quando temos outros 78 corpos dentro de torpedos na nave? E quem disse que McCoy é capaz de realizar o processo. Em outras palavras, McCoy achou a cura para a morte. Isso está no mesmo nível que Paris tornando-se um mutante após cruzar velocidade Warp 10 em Voyager.


São tantas manobras de roteiro para manter seu protagonista que qualquer emoção e drama que o filme tinha até ali é completamente dizimado. Tudo em nome de um final feliz hollywoodiano, sacrificando uma narrativa mais ousada e ambiciosa.


O filme rendeu dinheiro, só que menos que o anterior. É fato que a recepção dividida desta produção fez com que a Paramount e Abrams repensassem bastante o futuro da franquia para evitar qualquer revés. No fim das contas, é um filme blockbuster bem produzido, que dá para assistir. Isso em si já o coloca num patamar bem acima de alguns dos piores episódios dos seriados.


A Paramount estava disposta a mais um filme com este elenco, até para capitalizar no aniversário de 50 anos da franquia. Contudo, Abrams voltaria apenas como produtor, pois havia assinado um enorme compromisso com outra franquia espacial.


Fique com duas das melhores cenas do filme abaixo:





Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 13:15  

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