Eu já havia dito em outro post que o recente episódio envolvendo alegações de abuso envolvendo Harvey Weinstein poderiam causar uma revolução social dentro de Hollywood.


Jamais alguém podia imaginar que isso fosse tomar as proporções que tomou.


Pra ter uma noção do impacto, vejamos o caso envolvendo Kevin Spacey. Como muitos já devem saber, Spacey foi acusado pelo ator Anthony Rapp de tê-lo assediado quando este tinha 14 anos. Isso não somente induziu outros a levantarem suas vozes contra Spacey mas também fez com que o ator revelasse sua sexualidade de forma inesperada. Como esperado, o Netflix se pronunciou decidindo cortar quaisquer laços profissionais com Spacey, e interrompeu as filmagens da última temporada de House of Cards, a fim de decidir como prosseguir sem seu protagonista.


Só que a represália não parou por aí.


Spacey já havia filmado o longa Todo o Dinheiro do Mundo, novo longa de Ridley Scott que conta a história do sequestro de um magnata do petróleo, que ocorreu na Itália nos anos 1970. Scott e a Sony Pictures resolveram cortar Spacey completamente do filme, subsituindo-o com Christopher Plummer, que terá de refilmar todas as cenas. A Sony está investindo 10 milhões de dólares para resolver isso.


Só tem um detalhe: a data de estreia do filme não foi adiada. Ela permanece sendo 22 de dezembro de 2017.


Resumindo: Scott e Plummer tem cerca de um mês para refilmar todas as cenas que eram com Spacey, e Scott ainda montar uma edição final do filme.


Levem em conta que todas as cenas com outros atores que não serão alteradas são cenas em que estão reagindo as ações e presença de um personagem vivido por Spacey. Há duas possibilidades: ou o filme será um desastre mal editado, ou Ridley Scott conseguirá produzir um feito histórico digno de vencer qualquer Oscar.


Nunca antes em Hollywood isso havia acontecido. Mudar um filme completamente com menos de um mês faltando para seu lançamento é estarrecedor.


É esse o impacto que estamos vendo. O episódio com Weinstein foi apenas o estopim. Até um estúdio como a Sony - que vem passando por apertos financeiros nos últimos anos - se vê disposto a gastar dinheiro para evitar a má publicidade de uma estrela no meio de um escândalo desses. Isso é resultado direto do efeito cascata que a repúdia e revolta a respeito desses casos vem causando na web.


Nessa era de redes sociais e reações instantâneas, basta um ator como Rapp expor esse passado que os efeitos são imediatos. Nem vem ao caso se quaisquer investigações surtirão efeito judicial no futuro. O objetivo não é comprovar o que aconteceu - até porque nessa onda de indignação, a veracidade dos fatos raramente é questionada. Essa situação vem ajudando a empoderar todos aqueles que foram oprimidos no passado a expor qualquer desavença passada.


Novamente reitero a necessidade de fomentar um ambiente de respeito, igualdade, tolerância e democracia. A objetificação da mulher nessa altura de século já não é nem um pouco cabível. O machismo pode e deve ser combatido. Vale lembrar para os ligados em série e também aqueles que reclamam do ativismo social atual que permanecer quieto carrega seus riscos.


Cito como exemplo a exemplar série The Handmaid's Tale, produzida por Bruce Miller, e exibida na Hulu, com Elisabeth Moss e Alexis Bledel no elenco. Baseada no livro de Margaret Atwood, a série mostra o risco que o mundo tem de cair num estado teocrático no qual as mulheres férteis são tratadas literalmente como objetos reprodutivos e nada além. Isso tudo porque as pessoas não se mobilizaram ao ver que suas liberdades estavam sendo cerceadas em nome da segurança. E quanto tentaram, já era tarde demais. Por isso mesmo, é invigorante ver as pessoas dispostas a abrir o bico e expor tudo que acontece por trás das cortinas. E mesmo se 50% das alegações forem falsas - afinal estamos falando dos EUA, um país onde inventam qualquer motivo pífio e sem fundamento para abrir um processo - as outras 50% já serão suficientes para incentivar movimentos de reformas sociais.


Se a indústria cinematográfica estiver realmente disposta a superar essa desigualdade e hierarquia, é bem possível que vejamos mudanças radicais no futuro. E acho que esse ambiente de delações de abusos e assédios já pode estar indo muito além do cinema....



Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 09:30  

0 comentários:

Postar um comentário