Nada dura para sempre. Chega uma hora em que tudo tem de acabar.


Em 1986, quando o quarto filme de Jornada nas Estrelas havia sido lançado, e a Paramount havia anunciado A Nova Geração, a sede por mais episódios e aventuras da Enterprise era alta. Os fãs haviam passado anos a fio sem conteúdo novo, principalmente levando em conta o cancelamento da série original.


Em 2002, a situação era a oposta.


Jornada nas Estrelas havia saturado. Nesse período de 15 anos (1987-2002), houveram quatro seriados e seis filmes. Foram mais de 500 horas de conteúdo produzidas. E claro que neste processo, tanto o interesse do público foi caindo como a qualidade de várias obras também foram se esvaindo. Quando se produz tanto material, é inevitável que os roteiristas comecem a se repetir, e na tentativa de se diferenciar, acabam produzindo resultados nem sempre satisfatórios.


Para todos os envolvidos, incluindo o produtor Rick Berman e o elenco, havia chegado a hora de concluir A Nova Geração. A série havia terminado em 1994, após 178 episódios, a fim de seguir em frente nas telas de cinema. Agora era a hora de pôr um fim também nessa etapa.


Jornada nas Estrelas: Nêmesis foi vendido e promovido pelo estúdio como a aventura final de Picard e companhia. Berman queria agradar ao estúdio após a recepção morna de Insurreição e entregar uma obra menos indulgente e mais comercial, mas com apelo dramático que também agradasse a críticos. Como seria a resposta de muitos, a tendência era de emular o que já havia sido feito. Assim começou uma de várias tentativas de recriar A Ira de Khan.


Para tanto Berman contou com os talentos do roteirista John Logan. Para quem não reconhece o nome, Logan tornara-se famoso e respeitado após roteirizar o filme Gladiador, com Ridley Scott. Logan era fã de Star Trek e fazia questão de participar do processo.


Outro que teve input considerável no roteiro foi Brent Spiner, amigo próximo de Logan (e que trouxe o roteirista à bordo). Para o ator, já era hora de dar um fim ao Data. O fato do personagem ser um andróide que não envelhece estava atrapalhando a verossimilhança, levando em conta o envelhecimento do ator, e Spiner estava ciente disso. Para ele, era melhor ter uma resolução definitiva e não ficar preso a um papel que ele jamais teria condições de continuar, independente dos avanços em maquiagem.


Contudo, havia a questão do diretor. LeVar Burton, que já tinha um impressionante currículo, tendo dirigido diversos episódios da Nova Geração, Deep Space Nine, Voyager e Enterprise, estava mais do que pronto para assumir seu primeiro longa-metragem, com pleno apoio de Berman. Entretanto, a Paramount fez questão de colocar sua própria escolha, passando por cima do produtor. Stuart Baird havia salvado o estúdio como diretor e editor em vários longas. Até por isso, fica a impressão de que a Paramount lhe devia um favor.


O elenco não se deu bem com Baird, especialmente Burton, cujo nome supostamente era pronunciado de forma incorreta pelo diretor. Baird não fez questão de assistir a nenhum dos episódios do seriado na pré-produção. Eles apenas assistiu aos filmes anteriores por obrigação, e fez questão de afirmar repetidamente que não tinha paixão nenhuma por Jornada nas Estrelas.


Na tentativa de extrair o maior lucro possível da franquia, o estúdio desceu a mão e tentou impor o máximo de condições durante a produção. Uma das demandas era uma aparição de Jeri Ryan como a personagem Seven of Nine, de Voyager. O estúdio queria o público adolescente a qualquer custo. Ninguém concordava com isso. A própria atriz teve de justificar que a presença dela não faria sentido algum com personagens que não faziam parte de seu círculo. No fim, o filme acomodou uma breve cena com a agora promovida Almirante Janeway (Kate Mulgrew) que transmite ordens do comando da frota para Picard.


Um elemento mal-explicado é a volta de Worf (Michael Dorn) para a Frota Estelar. No final de DS9, havia sido definido que Worf se tornaria embaixador dos Klingons para a Federação. No filme, ele está de volta à Enterprise sem explicação nenhuma. Esse já tinha sido um problema em Insurreição, que nem fez questão de mencionar o porquê dele deixar a estação de Sisko e visitar a Enterprise no meio de uma guerra.


Outra omissão neste filme é o chip emocional de Data. Desta vez nem é mencionado. É como se nunca o tivesse instalado. Ele se encontra tão cético e desprovido de emoções quanto no seriado.


Tematicamente, a trama lida com conclusões. Riker e Troi estão casando, e deixando a Enterprise para que Riker assuma comando de uma nova nave. A Dra. Crusher está deixando a nave para assumir o departamento de medicina da Frota Estelar na Terra. Pela primeira vez em 15 anos, a tripulação passa a seguir caminhos separados. Logo após o casamento, a tripulação descobre partes de um andróide idêntico a Data em um planeta deserto. Eles recuperam as partes e montam o andróide, conhecido como B-4, um projeto de Noonian Soong que não teve o mesmo cérebro positrônico que permitiu o funcionamento de Data e Lore.


Enquanto isso, ocorre um golpe de estado em Romulus. Os Remans, uma raça que sempre viveu subjugada pelos Romulanos, assume o poder, só que a figura central na hierarquia é um ser humano conhecido como Shinzon. A Enterprise é chamada para a região, e Shinzon se encontra com Picard, revelando que ele é um clone do capitão. Shinzon foi clonado do DNA de Picard como parte de um plano de infiltração Romulano que foi abortado e o jovem clone foi abandonado como escravo no planeta Remus. Agora, ele precisa do sangue de Picard para curar uma doença genética decorrente do processo. Shinzon mostra suas intenções ao atacar mentalmente Deanna Troi, e em seguida raptar Picard.


B-4 faz parte do plano dos Romulanos quando foi descoberto que Shinzon havia plantado ele como espião, capaz de transmitir todos os códigos e posições de naves da Federação. Data é forçado a desativar alguém que poderia ter sido um irmão. Picard é raptado e Data o resgata. A Enterprise viaja rapidamente de volta para a Terra, sendo perseguida pela implacável nave de Shinzon, a Scimitar, que possui uma arma de radiação capaz de incinerar todos os habitantes do planeta. Em batalha, a Enterprise consegue apoio de naves Romulanas, mas não são suficientes para deter Shinzon, que abre rombos na nave. Picard se entrega para salvar inúmeras vidas. Ele derrota Shinzon em combate físico, mas não consegue voltar para a Enterprise devido a um defeito no teletransporte. Data voa pelo espaço até a Scimitar para salvar Picard. A Scimitar está para explodir devido a um acúmulo de energia da arma radioativa. Data coloca um sinalizador em Picard, fazendo com que seja transportado para fora dali. Em seguida, dispara um phaser no reator de energia e sacrifica sua vida, explodindo com a nave.


A tripulação lida com a morte de Data. A Federação abre discussões de paz com os Romulanos, e Picard descobre que B-4 pode ter o potencial de se tornar tão completo quanto Data um dia.


Logo de cara, se percebe os paralelos com o segundo filme. A morte de Data foi o exemplo mais claro disso. Ao mesmo tempo, havia ainda a hipótese de ainda terem mais aventuras. Por isso a existência de B-4.


O maior problema do filme é a direção e a edição. Em matéria de roteiro, ele se sai até melhor que Insurreição. A Paramount insistiu em cortar o excesso do filme ao máximo, e a direção de Baird sempre privilegiou cenas de ação. Se olhar para sua filmografia, verá que é geralmente o caso. O filme corre de uma cena para outra, com pouquíssimo foco nos personagens. Quando o filme foi lançado em DVD/Blu-Ray, foi revelado uma quantidade enorme de cenas cortadas que teriam dado melhor foco aos personagens. A Nova Geração sempre foi uma série focada na dinâmica entre eles e como eles reagiam a cada situação. Os filmes sempre tentaram dar uma acelerada no ritmo televisivo, com mais ação e menos debate. Mas Nêmesis exagerou na dose com essa edição. Supostamente, a montagem original tinha cerca de duas horas e meia. Várias cenas de personagens lidando com o fato de que esta seria a última missão foram omitidas. Whoopi Goldberg teve sua presença reduzida. Wil Wheaton teve todas as suas falas cortadas. Pelo menos mostraram a cena em que Picard libera Riker para assumir seu novo comando.


Vale destacar alguns pontos positivos. Shinzon foi interpretado por um então jovem e pouco conhecido Tom Hardy. Ele faz um belo trabalho com o personagem, mostrando uma fração do potencial que ele mostraria mais tarde em sua carreira. Ron Perlman, de Hellboy, também faz um trabalho decente como o Vice-Rei dos Remans, responsável pela segurança de Shinzon.


A cena final em que Picard ouve B-4 cantando a música que Data havia cantado é excelente, e ele segue para a ponte na esperança de que a vida segue em frente, e eles continuarão vivendo novas jornadas. Considero essa uma das melhores cenas do filme.


E claro, Patrick Stewart transmite mais uma performance admirável como Picard, dando foco em sua decepção e vontade que Shinzon, sendo clone dele, desenvolva e estimule seus melhores intintos como pessoa.


A questão de Picard e Shinzon serem clones podia ter dado um filme bem mais cerebral e inteligente. Infelizmente, a trama deixa essa ambiguidade de lado quando se torna ao mesmo tempo um filme de terror psicológico (o estupro mental desnecessário para demonstrar sua maldade) e um filme de ação com pouquíssima lógica ou motivação.


Não teria sido uma situação tão desagradável se fosse apenas mais um filme, até porque é uma aventura que merece ser vista. O problema é que foi a aventura final da Nova Geração. As expectativas, que já eram altas, acabaram por não serem atendidas.


O problema principal, além de Baird, era o estúdio que já não era mais o mesmo estúdio que havia produzido Generations e Primeiro Contato. Estúdios mudam de regimes com muito mais frequência do que em mandatos políticos. Os responsáveis pela Paramount em 2002 já não tinham o mesmo conhecimento de Jornada, e não tinham o mesmo respeito. Com a competição elevada no mundo blockbuster, Nêmesis enfrentou competição pesada.


2002 foi um ano repleto de lançamentos badalados e pesados. Tivemos Harry Potter, O Senhor dos Anéis, Homem-Aranha, Star Wars: Episódio II, dentre vários outros. Nêmesis foi lançado na mesma semana em que O Senhor dos Anéis: As Duas Torres.


Resumindo, por mais que Star Trek tivesse histórico, essa era uma batalha de Davi contra Golias. Um filme da trilogia do Senhor dos Anéis tinha o triplo do orçamento que os filmes de Jornada tinham. O marketing também era em outro nível. A escala dos efeitos visuais e da narrativa nunca havia sido vista no cinema. Nêmesis repetia a estética de Jornada, que já era mais do que conhecida. Um dos motivos pelo qual a Paramount cortou uma hora de conteúdo do filme foi para conseguir encaixar mais sessões nos cinemas, já que Senhor dos Anéis era um filme com mais de 3 horas de duração. Não deu nem um pouco certo.


O resultado final foi quase desastroso. Nêmesis foi o único filme de Jornada a ter prejuízo na bilheteria. E assim Jornada nas Estrelas ficou anos ausente do cinema sem novos capítulos.


É uma pena, porque dá para ver que o filme tinha potencial. Se tivessem restaurados as cenas cortadas, o resultado final provavelmente teria sido mais impactante. Nêmesis mostra pelo menos que tanto o elenco quanto os produtores levam a franquia à sério. As cenas de batalha* foram algumas das mais dinâmicas e bem filmadas desses filmes**. Principalmente, a cena em que a Enterprise literalmente arromba a frente da Scimitar foi impactante, e algo até então não visto na série.


*Durante a batalha, a ponte da Enterprise é literalmente destruída, e tripulantes são sugados para o espaço antes do campo de força ser ativado.


**No início da batalha, quando Worf seixa seu posto para deter uma invasão de soldados Reman, um oficial de segurança assume seu lugar. Ele é interpretado por Bryan Singer, diretor dos filmes dos X-Men, e amigo de Patrick Stewart. Singer é um fã apaixonado da franquia e conseguiu essa ponta.


A trilha de Jerry Goldsmith para esse filme foi diferenciada e inspirada. Completamente diferente dos temas anteriores de Jornada, ele compôs um dos temas mais bombásticos e distintos na franquia. Foi um dos últimos trabalhos do compositor, antes de sua morte em 2004*.


*Por sinal, DeForest Kelley havia morrido em 1999, e James Doohan morreria em 2005.


Por fim, considero Nêmesis um capítulo válido na história da Nova Geração. Infelizmente, foi o último. A verdade é que franquias como Jornada sempre teve dificuldades com finais ou conclusões. Para fãs, é uma questão difícil ter de largar aquilo que fazia parte de suas vidas. A série original nem teve uma conclusão. Foi cancelada com um péssimo episódio em que Kirk trocava de corpo com uma mulher. Voyager teve um final fraco e decepcionante, sem abordar as consequências da volta deles. As únicas séries que tiveram finais satisfatórios foram A Nova Geração e DS9. Dos filmes, pode-se dizer que o sexto filme foi uma conclusão satisfatória para o elenco original, mas Shatner voltou para morrer em Generations. Resumindo, finais são complicados de se concretizar e ao mesmo tempo agradar ao público. Não é a toa que tantos seriados de sucesso enfrentam esse problema.


Ao mesmo tempo, o seriado Enterprise, em sua segunda temporada, passava por sérias dificuldades de adquirir audiência, além de ter alguns episódios realmente decepcionantes. Realmente a franquia havia chegado a um ponto de fadiga. Com o regime da Paramount indisposto a apoiar produções, Jornada nas Estrelas acabou por ter suas suas atividades interrompidas por tempo indeterminado. Não era mais rentável. Até atores como Majel Barrett afirmavam que era hora da obra de Gene Roddenberry ser deixada de lado por um tempo, para que desse tempo de renovar idéias e deixar com que os fãs criassem distância do excesso de produções para relembrar o apego e sentir falta novamente.


Não que Rick Berman tenha desistido. Logo após o fracasso de Nêmesis, ele começou a desenvolver um novo roteiro para um novo filme. Um filme que tomaria um rumo completamente diferente de tudo que havia sido feito antes. Contudo, este filme não se tornaria realidade, e a Paramount logo tomaria um novo rumo com a franquia, surpreendendo a todos que imaginavam que Jornada nas Estrelas.


E assim, por tempo indeterminado, os filmes chegaram ao fim. Fique com duas cenas de Nêmesis, logo abaixo:






Posted in 0 comentários Postado por Eduardo Jencarelli às 12:34  



Após o imenso sucesso de Primeiro Contato, o produtor Rick Berman e sua equipe tinham toda a confiança do alto escalão da Paramount para seguir em frente com novas aventuras envolvendo Picard e sua tripulação no cinema. Tinha tudo para dar certo.


Só que nem sempre tudo ocorre como planejado.


Jornada nas Estrelas: Insurreição, lançado em dezembro de 1998, foi um dos filmes mais controversos e divisores da série. Odiado por muitos dos fãs e desprezado pela crítica. Também teve uma bilheteria morna. É evidente que misturar Jornada com a história da Fonte da Juventude teve mais negativos que positivos.


A trama mostra Picard e sua tripulação se envolvendo em uma missão da Federação em um planeta desconhecido, mas que possui uma pequena civilização pacífica. A Federação trabalha em conjunto com os So'na, alienígenas que tentam retardar a velhice usando todas as técnicas existentes. Picard é forçado a se envolver na missão porque Data havia descoberto que eles planejavam algo antiético, o que o fez se rebelar contra os demais oficiais. Investigando o caso, Picard descobre que os So'na e a Federação pretendem transferir a população do planeta sem ao menos avisá-los (graças ao uso de uma nave holográfica que manteria a ilusão de estarem vivendo no mesmo lugar). Essa é a vontade dos So'na, pois eles desejam explorar a composição química dos anéis que rodeiam o planeta. Essa combinação permite aos habitantes do planeta a manterem sua aparência física jovem. Os So'na são obcecados com essa possibilidade, e a Federação vê isso como uma oportunidade de revolucionar a medicina. Só que no processo de exploração dos anéis, o planeta se tornará inabitável. Picard considera impensável tratar uma civilização desta forma para ganho pessoal. Com isso, ele percebe que terá de ir contra a vontade da Federação a fim de proteger este povo. A tripulação da Enterprise o auxilia nesta aventura, na qual terão de enfrentar os So'na e convencer a Federação de que estão do lado certo.


Como qualquer produção, o roteiro sempre sofre mudanças. Tudo começou em 1997 quando Rick Berman se encontrou com Michael Piller e o ofereceu a chance de roteirizar o filme.


Piller havia se desvinculado de Star Trek há pouco mais de um ano. Após sete anos responsável pelos três seriados que produzira com Berman, Piller sentia-se na necessidade de se distanciar do universo de Gene Roddenberry. Ele havia passado tanto tempo defendendo as limitações impostas por Roddenberry nas questões de conflito entre personagens que ele se sentia desgastado, procurando novas iniciativas e projetos. Uma atitude até compreensível. Por isso, Berman nem esperava que ele voltasse a se envolver com a franquia. Contudo, Piller aceitou escrever Insurreição. Já fazia três anos desde o fim da Nova Geração, e ele fazia questão de escrever mais uma aventura com Picard, afinal desses sete anos encarregado da franquia, cinco deles foram no comando daquele seriado.


Piller começou a desenvolver uma trama ambiciosa na qual Picard encontraria um velho amigo de colégio e travaria uma batalha contra ele devido ao planeta. Durante o processo de criação, Piller, que lidava questões de velhice e calvície, tropeçou na idéia da Fonte da Juventude. O temor para Berman era que Patrick Stewart rejeitasse uma história que destacasse sua idade. Felizmente, Stewart topou na hora, percebendo o potencial para uma aventura heróica e leve ao melhor estilo Robin Hood. A trama a princípio seria uma versão light de Coração das Trevas (que foi a inspiração para Apocalypse Now, de Coppola). Piller assim como Stewart queria uma aventura menos sombria do que Primeiro Contato e Generations, mais próxima ao estilo e tom estabelecidos por Jornada IV.


Haviam várias idéias, incluindo o uso dos Romulanos como vilões. Contudo, Berman e a Paramount queriam mudanças no roteiro, e muitas idéias foram eliminadas, incluindo os Romulanos e o amigo/vilão. Piller também teve de lidar com incertezas dos atores, principalmente Stewart e Brent Spiner. Eventualmente neste processo, o filme foi adquirindo o resultado final que todos conhecemos. É um dos casos mais evidentes de produção em comitê. É um único prato sendo feito por muitos chefs. Piller como roteirista teve de acomodar todas as demandas. Não foi tão diferente do processo de desenvolvimento de Generations.


Acho que o filme tem boas cenas, usa o elenco de forma criativa, além de ter algumas cenas realmente divertidas. Contudo, se há um filme da Nova Geração que se pode acusar de parecer mais um episódio do seriado que um longa, sem dúvida é este. A direção de Jonathan Frakes faz o melhor que pode, mas o roteiro final de Piller simplesmente não se sobressai dentre os demais. Boa parte do conflito das versões anteriores acabou diluído. O desenvolvimento da raça Ba'ku também não auxiliou nesse quesito. Tanto a escolha de atores quanto a direção de arte e figurino contribuíram para um retrato quase estereotipado de uma sociedade que leva o público a questionar por que Picard resolveu ajudá-los. Fora o caso amoroso que ele tem com a personagem Ani'j (Donna Murphy), não há muita motivação.


O aspecto do filme que mais funciona sem dúvida é mais uma vez a trilha composta por Jerry Goldsmith. Ele consegue criar temas completamente diferentes de Primeiro Contato, mas que se adequam a esse mundo no qual passamos duas horas. Uma mistura de inocência e aventura que complementam bem os temas tradicionais já estabelecidos.


No quesito comédia, o filme tenta várias piadas baratas em detrimento dos personagens que acabam com o tiro saindo pela culatra. Dá para ver que os atores estão se divertindo, até mais do que qualquer outra produção. Entretanto, cenas como a que Picard dança mambo, recapturando sua juventude, são mais desconfortáveis do que engraçadas. Ver Troi e Crusher discutindo firmeza dos próprios seios também não funciona, e é um detrimento em qualquer questão progressista no debate entre os sexos, até quando sabemos o potencial das personagens. Worf lidando com verrugas e agressão em excesso por voltar a adolescência é o cúmulo da forma como os roteiristas vem humilhando o personagem.


Há também cenas realmente engraçadas. Somente com Stewart, Spiner e Michael Dorn seria possível criar uma cena em que Picard e Worf cantam uma música de Gilbert e Sullivan enquanto perseguem Data numa nave auxiliar. Não é uma cena que agradará a todos, mas tem seu apelo para aqueles que gostam de ver os personagens saindo da zona de conforto.


Quanto aos vilões, os atores fazem o que podem com o roteiro que tem. Anthony Zerbe consegue transmitir um personagem visívelmente comprometido moralmente, enquanto que F. Murray Abraham, um intérprete reconhecidamente talentoso, é forçado a atuar cenas embaraçosas do vilão Ru'afo tendo ataques de chilique quando seus planos não vão de acordo. Os So'na não são nem um pouco sutis como vilões, e a tentativa de Frakes em criar o mesmo clima de filme de horror que havia gerado com os Borg em Primeiro Contato também gera resultados difusos. É até interessante mostrar o quanto eles estão dedicados em retardar o envelhecimento, usando técnicas mirabolantes e até horrorizantes, mas isso apenas faz o espectador perguntar a si mesmo por que a Federação se envolveria com esse grupo.


Os efeitos visuais representam a época em que foram feito. 1998 foi o ano em que computação gráfica estourou em hollywood, só que os técnicos e designers ainda não haviam dominado essa nova arte. Isso resulta em cenas visívelmente fajutas, onde se percebe o quanto os modelos digitais são artificiais. O objetivo de um efeito é que ele não pareça como tal. Assim como as animações dos Caça-Fantasmas de 1984 ficaram datadas, o mesmo vem ocorrendo com as naves computadorizadas neste filme.


Às vezes, o filme consegue acertar. A cena em que Geordi LaForge recupera sua visão e enxerga seu primeiro sol nascente é um momento isolado, mas eficiente e dramático. Riker e Troi reatarem o relacionamento pode ser visto como um acerto. Após anos de amizade profissional no seriado, já era mais do que hora de dar o passo seguinte.


Contudo, Data sofre um retrocesso neste filme. Após ser usado como o motor inicial da trama numa sequência questionável na qual ele enfrenta oficiais usando uma jaqueta invisível, ele se envolve na tentativa de fazer amizade com um garoto Ba'ku. Isto decorre do fato de que Data nasceu adulto, e nunca teve a oportunidade de ser uma criança. De certaforma, isso até encaixa na sua jornada para se tornar mais humano. O ponto negativo dessa questão é a ausência quase que completa do chip de emoção, introduzido nos filmes anteriores. Michael Piller admitiu que não quis usar o chip, pois achava que isso invalidava a jornada de Data. Ele usa a desculpa que Data não levou o chip nessa missão, e levando em conta o status do chip em seu sistema estabelecido nos longas anteriores, essa é uma desculpa que não cola. Após as experiências em Generations e principalmente Primeiro Contato, era de se esperar que víssemos um Data mais experiente. Não é o caso desta vez.


A primeira metade do filme é a investigação. A segunda metade é basicamente uma longa sequência de ação. Como Ru'afo não precisa mais esconder o fato de que está abduzindo pessoas para outro planeta, ele recorre a táticas mais violentas (mas não tão violentas à ponto de gerar uma censura alta). Com isso, não há nenhuma dúvida de que Picard está do lado certo. Isso piora ainda mais quando é revelado que os So'na são na verdade dissidentes dos Ba'ku que foram expulsos 100 anos antes. Em outras palavras, a Federação havia se metido numa guerra de famílias. Meu problema nessa questão é que o filme se chama Insurreição.


Quando Kirk sequestrou a Enterprise para resgatar Spock no planeta Gênesis (no terceiro filme), ele claramente havia desobedecido a quinze regras e ordens da Federação e pagou o preço por isso no filme seguinte. Já Insurreição jamais hesita em colocar Picard numa posição moral superior a do próprio almirante que o supera na hierarquia. Vale lembrar que Piller se especializou em escrever diálogos em que Picard afirma essa superioridade, porque ele sabe que Stewart é capaz de vender de forma crível qualquer cena com uma seriedade e sinceridade que desarmam qualquer adversário. Esse pra mim é o problema principal do filme. Se a idéia era colocar Picard contra a Federação, que tivesse mais ambição e disposição para ir além de uma simples aventura do bem contra o mal. Com a situação em Deep Space Nine deteriorando com a guerra da Federação contra os Dominion (que é mencionada no filme), e personagens como Sisko se comprometendo moralmente de todas as formas, acho que o filme poderia ter capitalizado mais nesse rumo. Era essa a expectativa que eu tinha quando o título do filme foi anunciado.


E expectativa é uma palavra-chave. Insurreição teve a missão desagradável de tentar se diferenciar e ao mesmo tempo superar Primeiro Contato. Era uma tentativa em vão, assim como Jornada III não teve chance de superar Jornada II. Quando o patamar fica tão alto, é impossível ir além, por mais que tente. Só que foram mais erros do que se esperava, num processo criativo que acabou tropeçando*.


*Boa parte desse processo é detalhada num livro não-oficial que o próprio Michael Piller escrevera após a produção do filme. Como não conseguira encontrar uma editora, o livro permaneceu arquivado, até que foi lançado na internet (e depois removido). É uma obra que detalha bem como o processo criativo numa produção hollywoodiana acaba tendo de sobrepor inúmeras barreiras, sejam atores, produtores, executivos, dentre vários outros fatores. Caso queira encontrar o livro, ele se chama Fade In: The Making of Star Trek Insurrection. Pode ser difícil, mas não impossível, de encontrá-lo online.


De qualquer forma, está longe de ser um filme intragável. Muito pelo contrário, dá para assistí-lo e ao menos se divertir um pouco. Mas é sem dúvida uma das produções mais fracas e falhas. O resultado final do filme fez com que a Paramount repensasse o futuro da Nova Geração no cinema. Com Berman ocupado finalizando DS9 e Voyager, e concebendo um novo seriado, era melhor dar um tempo nos filmes até que viesse uma história melhor. Deixar o público respirar um pouco sem que ficasse saturado com excesso de Jornada na TV e no cinema. Foram quatro anos de espera até o filme seguinte.


No próximo post, falaremos de Nemesis, o último filme da Nova Geração. Enquanto isso, fique com duas cenas de Insurreição, logo abaixo:




Posted in 0 comentários Postado por Eduardo Jencarelli às 11:34  



Este é mais um post comemorando os 50 anos de Jornada nas Estrelas.


Enquanto a série original se aproxima de seu 50º aniversário (8 de setembro), o filme Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato está para completar 20 anos desde seu lançamento original, em novembro de 1996.


O filme foi o oitavo produzido para os cinemas. O filme anterior, Generations, havia dividido fãs e crítica apesar do lucro. Aproveitando o aniversário de 30 anos da franquia, a Paramount insistiu em produzir o filme seguinte o mais breve possível. Com Rick Berman na produção, o mandato era seguir em frente com mais aventuras da Nova Geração de Picard no cinema.


Com os roteiristas Brannon Braga e Ronald D. Moore envolvidos, o próximo passo era encontrar a trama certa. Esse foi um processo bem menos doloroso e complicado que Generations. Eles não tinham mais a obrigação de fazer uma história separada com Kirk e companhia ou ter de inventar um plot tão complicado para juntar ele com Picard.


Logo de cara, ambos os roteiristas queriam lidar com os Borg. Como muitos sabem, os Borg foram a maior revelação na Nova Geração. Os vilões que deram certo. Quando a série foi concebida por Gene Roddenberry, os vilões originais eram os Ferengi, que óbviamente não deram nem um pouco certo devido ao design, deficiencias de roteiro e o fato de que funcionavam muito melhor como alívio cômico. Ninguém levava os Ferengi à sério.


Foi isso que permitiu ao então roteirista Maurice Hurley criar os Borg na série. Ao assimilar todos em sua coletividade, os Borg representam o fim da individualidade. São um vilão completamente impessoal e desprovido de emoções. Eles apenas consomem e conquistam sem jamais hesitar.


Braga e Moore também fizeram questão de incluir viagem no tempo para variar um pouco a trama. Como este elemento havia dado tão certo no quarto filme (o das baleias), foi uma decisão unânime para todos, incluindo o estúdio. Contudo, eles temiam que o fato do Borg não possuir vilões individuais afastaria o público. Eles exigiram a criação de um líder. Isso forçou a equipe a criar a nova personagem da Rainha Borg. Durante um bom tempo, muitos fãs temiam que a presença dela fosse arruinar o filme.


A trama foi bem mais simples. Picard havia sido assimilado pelos Borg na série e até hoje carregava as feridas da experiência. Agora, os Borg estão de volta atacando a Terra. A Frota Estelar monta um exército de naves para impedí-los. Graças a estratégia de Picard, eles conseguem destruir a nave, mas uma pequena esfera escapa e volta no tempo, assimilando a Terra no passado, apagando qualquer traço da Federação. A Enterprise, protegida pelo vortex temporal da esfera, sai imune e consegue viajar para o passado. Contudo, quando destroem a esfera no passado, os Borg conseguem se teletransportar para a nova USS Enterprise E e passam a assimilar a nave e sua tripulação por dentro. Cabe a Picard deter essa ameaça sem cair no gosto da vingança ao melhor estilo Ahab. Enquanto isso, Riker tem a missão de auxiliar o cientista Zefram Cochrane, cuja base foi avariada pelos Borg. Cochrane está para realizar o primeiro vôo warp da humanidade, cujo sucesso atrairá a atenção dos vulcanos criando uma situação de primeiro contato entre a humanidade e sua primeira raça alienígena.


Uma das primeiras versões do roteiro levava Picard e sua tripulação para o Século XIX, onde ele se envolveria em um caso amoroso com uma artista. Em uma reunião com Berman, Braga, Moore, Patrick Stewart e o recém-contratado diretor Jonathan Frakes*, foi decidido que esse rumo não daria certo. Enquanto Picard estava na Terra tendo esse caso, Riker estava na nave lutando contra os Borg. Todos resolveram que seria melhor mudar as posições dos protagonistas. Ao mesmo tempo, Braga e Moore decidiram mudar a ação para o Século XXI, explorando uma época até então pouco vista em Jornada. Já havia sido discutido em todos os seriados que a humanidade quase havia sido extinta numa Terceira Guerra Mundial antes de evoluir para o futuro utópico idealizado por Roddenberry.



*Frakes, além de interpretar Riker na série, já era um diretor experiente tendo dirigido episódios tanto da Nova Geração, mas também de Deep Space Nine e Voyager. Ele já estava cotado para dirigir Primeiro Contato. Um dos outros finalistas para o cargo foi o diretor James L. Conway, também veterano das mesmas séries, e um dos melhores diretores da equipe, tendo dirigido alguns dos melhores episódios de DS9. Frakes ganhou o cargo porque Patrick Stewart tinha poder de voto na escolha final.


Outro trunfo a favor da produção foi a volta de Jerry Goldsmith na composição da trilha sonora. Junto com seu filho Joel Goldsmith, ele não apenas ressuscitou o tema clássico de Jornada, mas também o tema Klingon, além de criar novos temas inesquecíveis para este filme. Considero a trilha de Primeiro Contato uma das melhores de toda a franquia, junto com a do primeiro filme, e é um dos motivos pelo qual Primeiro Contato funciona tão bem.


O filme foi um sucesso estrondoso dentre os fãs, críticos e também o público que não estava acostumado com Jornada. Um dos motivos pra esse sucesso (além da oportunidade de ver os Borg na tela grande com o devido orçamento e escala) foi a inclusão de uma personagem que serviu como ponte para esse público entrar na aventura. Ela se chamava Lily Sloane, com excelente interpretação de Alfre Woodard. Uma das poucas atrizes a conseguirem contracenar com Patrick Stewart no mesmo nível que ele, mesmo nas cenas mais intensas.


Lily é uma sobrevivente do Século XXI. No mundo desolado em que vive, ela busca acreditar na visão de Zefram Cochrane e seu projeto. Quando se depara com elementos do futuro como o andróide Data, o Klingon Worf, ou a própria Enterprise, a reação dela caracteriza a forma como um futuro diversificado e repleto de potencial é capaz de cativar aquele que não tem tanta fé na humanidade. Ao mesmo tempo, ela questiona abertamente a forma como Picard a sua tripulação funcionam. É a personagem que também critica a vivência estéril sem textura do Século XXIV. Ao mesmo tempo que ela funciona como um olhar único ao mundo utópico de Roddenberry, ela também questiona e critica esse mesmo mundo.


Há duas cenas que mostram esse contraste de forma gritante. Uma é a cena em que Picard abre uma janela da nave para desarmá-la e ganhar sua confiança. Ela parece uma garota inocente enquanto Picard mostra para ela de onde ele vem e que futuro a espera. A outra cena é a em que Lily questiona a decisão de Picard em lutar até a morte contra os Borg e expõe sua hipocrisia como capitão e ser "sensibilizado" do futuro ao compará-lo diretamente ao personagem fictício de Moby Dick.


Ao mesmo tempo, cenas em que Picard explica a Lily que a humanidade não usa mais dinheiro no futuro explica a utopia de Roddenberry ao público que não conhece sua obra e também serve como alívio cômico, já que Lily percebe que Picard não recebe um tostão por ser um atarefado capitão com 30 mil responsabilidades.


Zefram Cochrane, vivido pelo veterano James Cromwell, também é um caso interessante de contrastes. O personagem já havia aparecido na série original, interpretado por outro ator, e sua conduta como tal mostrava como sua visão foi fundamental no trajeto evolucionário da humanidade. Ele já mostrava uma sensibilidade e postura madura. Braga e Moore descontroem esse personagem no filme, mostrando um velho beberrão completamente deprimido, sem interesse em grandes jornadas ou responsabilidades, com mais interesse em dinheiro e mulheres do que fama ou grandes propósitos sócio-políticos. A forma como engenheiros que nem Geordi LaForge veneram o personagem bate direto com o desconforto que ele sente ao ser tratado assim.


A questão do Primeiro Contato é a base de Jornada nas Estrelas. Quando a humanidade mostrou-se capaz de viajar além da Terra, e descobriu como não estavam sozinhos no universo, apenas digamos que isso mudou completamente as prioridades de todas as sociedades existentes em nosso planeta. Como disse Deanna Troi, pobreza, doença e guerras deixaram de ser predominantes nos anos seguintes, porque a humanidade havia se unido num grau jamais concebido por qualquer pensador ou teórico. A cena final do filme, quando Cochrane assume a responsabilidade de dar boas vindas aos primeiros vulcanos* mostra a importância dessa evolução.


*Não há homenagem maior aos 30 anos de Jornada do que colocar os vulcanos como a primeira sociedade a estabelecer contato com a humanidade. Se Spock foi o esforço de Roddenberry a incluir um elenco interestelar, além do multicultural, colocar os vulcanos como a primeira raça foi a escolha natural dos produtores nesse capítulo. A devida homenagem aos fãs e a própria história de Jornada.


Do outro lado do filme, temos a questão dos Borg e o envolvimento de Data na trama. A introdução da Rainha Borg foi um assunto controverso até o lançamento. Quando Alice Krige* mostrou do que a personagem era capaz, boa parte dessas dúvidas e anseios foram dissipadas. Misturar sex appeal com perigo não é uma mistura nova em hollywood, mas foi muito bem aplicada nessa personagem. Ela deseja controlar Data para conseguir os códigos de segurança da Enterprise, a fim de acessar seu computador central. Mas para atingir isso, ela é capaz de estimular a humanidade dentro dele. Ao contrário da jornada repleta de clichês que havia sido o chip de emoção em Generations, a jornada de Data neste filme é mais um acerto dentre os demais. Você chega a acreditar que Data possa ser corrompido, porque quem viu o seriado durante todos os 178 episódios sabe o quanto ele deseja tornar-se humano. Ela consegue deixá-lo temporariamente num estado de tentação e conflito interno.


*A Rainha Borg fez tanto sucesso que foi reutilizada em Jornada nas Estrelas: Voyager como vilã recorrente. Susanna Thompson interpretou a personagem na maioria dos episódios. Alice Krige reprisou o papel no episódio final, pois Thompson tinha outro projeto na época.


Como Worf já era um dos personagens principais em DS9 quando o filme foi lançado, a trama teve de justificar sua vinda para a Enterprise. Graças a isso, vimos pela única vez nas telas de cinema a presença da USS Defiant, nave de Sisko, envolvida na batalha contra o cubo Borg. Worf comandou a nave em batalha, só que ela foi danificada* pelos Borg, e os sobreviventes foram transportados para a Enterprise. Como nunca tivemos um filme baseado exclusivamente em DS9, este foi o mais próximo possível.


*Ronald D. Moore era roteirista em DS9, assim como Braga era de Voyager. Quando lera o roteiro, o produtor de DS9, Ira Steven Behr, deu um ataque ao ver que a Defiant havia sido destruída na batalha. Eles prontamente tiveram de alterar o roteiro, mencionando a sobrevivência da nave, e incluindo. Ironicamente, a Defiant foi destruída na última temporada de DS9, dois anos depois.


Outro elemento de Star Trek que foi incorporado no filme foi a presença do Doutor Holográfico, interpretado pelo sempre excelente Robert Picardo*. Devido a sua origem, ele não era uma função exclusiva de Voyager, e podia ser aproveitado desta forma. Isso rendeu ao menos uma cena hilária com a Dra. Crusher.


*Picardo também apareceu em DS9 na mesma época, interpretando o médico original que serviu de base para o holograma.


Um fato menos conhecido sobre o filme é que ele teve um personagem que numa versão anterior do roteiro era para ser abertamente gay. O Tenente Hawk, vivido na época pelo então jovem e desconhecido Neal McDonough, era para ser o primeiro personagem permanente no elenco representando a causa LGBT*. Contudo, esse aspecto foi omitido nas versões posteriores, e o personagem acabou sendo assimilado pelos Borg e morto por Worf. McDonough logo deslanchou e tornou-se famoso após passar por produções aclamadas como a minissérie Band of Brothers.


*Com Bryan Fuller na produção, é quase garantido que teremos um personagem LGBT no elenco de Star Trek: Discovery.


A morte de Hawk entra para o quadro dos camisas vermelhas. Quem lembra da série original, com certeza irá lembrar da enorme quantidade de tripulantes que morreram em missões. Kirk mal lembrava dos oficiais e tripulantes mortos no fim de suas missões. E a maioria usava uniforme vermelho. Isso se tornou um clichê recorrente na série original, e em grau menor nas produções posteriores.


Já a questão de assimilação representa um dos aspectos mais perturbadores e controversos do filme. Picard ordena a Worf e os demais tripulantes que matem qualquer tripulante que tenha sido assimilado pelos Borg. De certa forma, estariam fazendo um favor a eles, ao não condená-los a uma existência traumática como drones dos Borg. Mas não deixa de ser uma forma de assassinato, condenável principalmente levando em conta os ideais que Picard e a raça humana prezavam no futuro.


A obsessão de Picard é sem dúvida a força motriz do filme. Alguns fãs questionaram esse rumo, relembrando que Picard havia voltado a ser o capitão de sempre após os eventos de sua assimilação na série. Eu argumentaria que quando o passado é doloroso, ele sempre será capaz de fazer com que você retorne a estimular os velhos instintos de auto-proteção em tempos de crise. Isso leva Picard a bater boca com oficiais que ele considera amigos próximos há anos. A cena em que ele ordena que Worf saia da ponte seria inconcebível no seriado. O nível de raiva é extremo. Se Roddenberry argumentava que humanos jamais teriam conflitos entre si no futuro, Braga e Moore conseguem habilmente extrair esse drama e conflito, criando uma situação na qual nenhum personagem consegue fugir da tensão e do conflito. Com os Borg assimilando tudo ao seu redor, não tinha outra possibilidade. Quando Worf sugere explodir a nave, era apenas a faísca que faltava para Picard literalmente explodir perante seus oficiais.


Em matéria de design, a nova Enterprise é um acerto. Por mais que a Enterprise D fosse perfeita pro seriado, seu estilo resort era claramente destinado pra estética televisiva. A nova Enterprise é mais concebida pra estética cinematográfica em todos os aspectos. Uma das melhores sequências do filme sem dúvida é a de Picard, Worf e Hawk tentando desativar o disco defletor na parte de fora da nave. Filmar uma sequência em que nossos heróis caminham em pleno espaço sideral já é um desafio em si. Fazê-lo em enfrentamento com os Borg, desprovidos de atmosfera e gravidade é muito mais complicado. Junto com a trilha de Goldsmith, Frakes e o editor John Wheeler compõem uma cena verdadeiramente sufocante. O design dos Borg no filme já eram apavorantes por si só. Ver eles caminhando em direção a Picard em passos lentos é pura agonia. Um dos poucos momentos de suspense em Jornada que realmente funcionam num nível sensorial. É também o filme de Jornada mais próximo de ser um filme de terror, tanto psicológico quanto físico.


Outro ponto positivo é que o filme jamais se prende muito nas logísticas de viagem no tempo. A tripulação não vê outra forma senão contar a verdade para Cochrane, a fim de proteger a linha temporal que eles conhecem. E Lily foi literalmente jogada na toca dos leões quando foi transportada para uma nave repleta de unidades Borg assimilando cada parte da nave em tempo real.


O bom do filme é que mesmo tendo uma trama com ritmo acelerado, ele encontra momentos que permitem aos personagens se expressarem. A cena em que Data e Picard encostam as mãos no míssil que será a nave do Primeiro Contato é um dos melhores exemplos. Ela mostra como Picard reverencia essa parte do passado, e como a percepção robótica de Data extrai uma resposta completamente diferente. Uma situação capaz de ser cômica sem recorrer a agentes externos.


Fala se muito que os filmes de Jornada com o elenco da Nova Geração foram uma decepção, incapazes de mostrar o espírito de aventura que os filmes originais tinham. Eu vejo Primeiro Contato como o oposto dessa crítica. O filme representa os melhores aspectos de Jornada nas Estrelas, consegue ser tenso, divertido, dramático e satisfatório. O elenco nunca esteve tão a vontade, a direção nunca foi tão dinâmica e o roteiro foi muito bem amarrado. O filme consegue representar aspectos diferentes da franquia e incorporá-los numa obra 100% fiel aos parâmetros de Roddenberry, enquanto que ao mesmo tempo os desafiando. Pessoalmente, nem os filmes de J.J. Abrams conseguiram atingir esse equilíbrio da mesma forma que este filme o fez. Não é a toa que Primeiro Contato teve a melhor bilheteria da franquia desde Jornada IV, dez anos antes.


E claro que isso colocou Rick Berman numa posição invejável como o produtor mais bem sucedido de toda a franquia. Sete anos produzindo a Nova Geração foram apenas o começo. Agora, ele tinha DS9 e Voyager em suas mãos, além do mandato da Paramount em seguir em frente com novos filmes com Picard e cia. E a resolução final deste filme passou a inspirar Rick Berman e Brannon Braga, de forma que o idealismo e a iniciativa de Zefram Cochrane tornariam-se o ponto de partida para o desenvolvimento da mais nova série, Star Trek: Enterprise.


No próximo post, relembraremos Jornada nas Estrelas: a Insurreição. Enquanto isso, fique com algumas cenas de Primeiro Contato, incluindo a fantástica cena do primeiro contato em si, logo abaixo:






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O maior desafio em qualquer franquia é encontrar um equilíbrio em satisfazer seus fãs sem levá-los a exaustão.


O problema é que em Hollywood, a diretriz é explorar o potencial de suas obras até que não rendam mais lucro. Uma mentalidade indiscutívelmente capitalista, e que sempre cria resultados divisórios. Quantos filmes ou seriados foram além da conta e acabaram decepcionando espectadores?


Jornada nas Estrelas: Voyager foi uma demanda da Paramount. O estúdio resolveu entrar com tudo no mercado televisivo, e para isso criaram uma nova rede de TV, a UPN*, competindo diretamente com a redes principais norte-americanas. E foi decidido que o carro-chefe do novo canal seria uma nova série de Jornada nas Estrelas.


*Não era a primeira vez que a Paramount tentava criar uma rede televisiva. Já haviam tentado isso na década de 1970, e na época o carro-chefe seria a abortada série Jornada nas Estrelas: Phase II, cujo piloto acabou virando o primeiro filme no cinema.


Deep Space Nine, assim como A Nova Geração, haviam sido produzidos para o mercado televisivo conhecido como syndication, o mesmo em que se passam reprises, longe dos horários nobres e livres das demandas e exigências de grandes redes. Gene Roddenberry havia lutado ferozmente com os executivos da NBC durante a série original, e foi esse um dos fatores que motivou a mudança para syndication.


Mesmo com a presença de DS9, a Paramount insistia na presença contínua de uma série envolvendo uma nave espacial viajando pelos confins do espaço. A idéia era pegar e ampliar o público que assistiu a sete temporadas da Nova Geração e já estava acostumado ao formato. Foi então que o estúdio colocou o produtor/showrunner Rick Berman como encarregado do projeto.


Logo de cara, Berman colocou Michael Piller e Jeri Taylor, os produtores da Nova Geração, para criar uma nova bíblia, selecionar roteiristas e elaborar a trama e os personagens do novo seriado.


Ninguém ali queria repetir A Nova Geração. Para diferenciar o seriado dos anteriores, tomou-se a decisão de criar uma trama de longo prazo. Assim, se estabeleceu a USS Voyager, cuja missão era perseguir e capturar um grupo de renegados Maquis (ex-membros da frota estelar, introduzidos na Nova Geração e em DS9) que haviam iniciado ataques terroristas contra Cardassianos. Contudo, os dois grupos entram numa distorção espacial, e são jogados do outro lado da galáxia. Eventos nesse novo quadrante fazem com que a Capitã Janeway tome a decisão de destruir a estação espacial responsável por colocá-los ali, a fim de proteger uma sociedade alienígena indefesa. Isso deixa ambas as tripulações presas, e voltar para a Terra levaria 70 anos em velocidade máxima. Como a nave dos Maquis foi destruída, sua tripulação liderada por Chakotay é forçada a integrar a equipe de Janeway e trabalharem juntos para achar uma forma de encurtar esta longa viagem.


Parece a trama de Perdidos no Espaço. Contudo, sendo Star Trek, a premissa era de que os autores tratariam esta situação com o devido realismo e seriedade. E honestamente tentaram sempre que possível. Mas sendo uma série de rede aberta, eles tinham severas limitações no que podiam fazer.


Jeri Taylor havia sido uma das poucas roteiristas experientes que Michael Piller contratara durante A Nova Geração (tanto que foi ela a responsável pelas duas últimas temporadas do seriado enquanto Piller focava em DS9). Eram poucos os roteiristas capazes de se adaptar às regras do universo criado por Roddenberry. Tanto Berman quanto Piller procuravam preservar os parâmetros desse universo, principalmente no controverso quesito ausência de conflito entre seres humanos no Século XXIV, que dividia muitos escritores e dramaturgos. Isso afugentou muitos roteiristas, e para conseguir cumprir a cota de produção na Nova Geração, Piller recorreu a uma iniciativa ousada ao aceitar submissões de fãs e escritores não-profissionais. A paixão por Jornada era tanta que Piller estava disposto a ler as idéias que essas pessoas poderiam ter. Desde que qualquer autor assinasse um contrato autorizando o uso de sua idéia, ela poderia ser lida e até aceita. Foi assim que Piller descobriu novos promissores roteiristas como Ronald D. Moore, René Echevarria, e muitos outros.


Piller manteve essa política durante as duas primeiras temporadas de Voyager. Infelizmente, ele acabou deixando a série no final de sua segunda temporada. Após sete anos responsável por este universo, Piller se via na necessidade de explorar novos rumos criativos. A responsabilidade de preservar as regras de Roddenberry o havia deixado desgastado. Jeri Taylor manteve o controle criativo nas duas temporadas seguintes até eventualmente se aposentar aos 60 anos. Quem assumiu Voyager à partir da quinta temporada foi Brannon Braga.


Braga já tinha anos de experiência, tendo escrito alguns dos melhores episódios da Nova Geração, além de dois dos filmes: Generations e Primeiro Contato. Enquanto Moore focava em mitologia, Braga focava em aventura e conceitos de ficção científica que muitas vezes beiravam o surreal, prestando homenagens à clássicos de David Lynch, além de ser um hábil escritor de personagens com bons diálogos. Braga sempre dividiu fãs devido a certos episódios controversos de ambas as séries, e também por estar envolvido com a morte de Kirk. Braga também alienou fãs ao dizer numa entrevista que nunca havia assistido a um episódio da série original (que foi um fator que motivou Roddenberry a contratá-lo na Nova Geração). Por isso, nem todos aceitaram sua nova posição como showrunner de Jornada. Pessoalmente, acho que dentre os roteiristas de Voyager, não havia ninguém mais qualificado ou capaz de assumir essa responsabilidade. E por mais que não tenha crescido como fã, ele abraçou a responsabilidade e, com o passar dos anos, assistiu finalmente aos episódios da série original.


Quanto aos personagens de Voyager, é fato que eles não tinham a mesma personalidade ou originalidade que seus antecessores na franquia. Não que isso faça deles péssimos personagens. Muito pelo contrário. A Capitã Janeway, interpretada por Kate Mulgrew*, foi um acerto. Sua presença e atitude mostraram que havia espaço para uma capitã feminina, que tivesse a devida autoridade, iniciativa e ao mesmo tempo sensibilidade que alguém como Picard jamais teria.


*Mulgrew não foi a escolha original para interpretar a personagem. Originalmente, os produtores queriam a aclamada atriz Geneviève Bujold para o papel. Ela foi escalada e começou a filmar o episódio-piloto. Contudo, Berman logo viu que, por mais competente que fosse, ela não tinha o fôlego ou disposição de se adaptar ao cronograma televisivo.


O maior potencial desperdiçado em Voyager foi o personagem Chakotay (Robert Beltran). A questão do conflito presente entre os oficiais Maquis e os oficiais da Frota acabou sendo deixada de lado durante a maior parte da série*. Chakotay era para ser um comandante capaz de desafiar Janeway, mas acabou se tornando um oficial mais fiel aos protocolos da frota do que muitos outros. Seu passado indígena também foi pouquíssimo explorado, e nos raros casos em que foi, a execução foi pavorosa recorrendo a todos os clichês de representação indígena em hollywood.


*Ironicamente, este conflito e tensão com os Maquis acabou rendendo alguns excelentes episódios de DS9.


Outros personagens funcionaram melhor. Tim Russ fez um bom trabalho como o chefe de segurança vulcano Tuvok. Roxann Dawson fez um belo trabalho como a engenheira meio-Klingon/meio-humana B'Elanna Torres e Robert Picardo fez um excelente trabalho como o Doutor holográfico.


Outros não deram tão certo. Ethan Phillips fez um trabalho adequado com um péssimo personagem que era o alienígena Neelix, e Jennifer Lien fez um fraco trabalho como a personagem Kes. Já Garrett Wang fez um trabalho sofrível como o Alferes Harry Kim.


Robert Duncan McNeill é um caso interessante. Ele havia participado de um episódio da Nova Geração, The First Duty, como um cadete que assumira a culpa por um grave acidente que ocorrera na academia. Inclusive o personagem, Nick Locano, era visto como um grande líder por personagens como Wesley Crusher. Mas quando escalaram McNeill para Voyager, alguém decidiu criar um personagem novo, o Tenente Tom Paris, mas dando exatamente a mesma história que Locarno tinha, incluindo todo o passado do acidente e a perda da carreira. Quando se muda nomes de personagens assim, geralmente é para evitar que o estúdio pague royalties ao roteirista que criara o personagem original. Não dá para confirmar se foi este o motivo, mas é a impressão que fica. De qualquer forma, McNeill faz um bom trabalho com um personagem que poderia ter sido mais desenvolvido.


Assim como muitos atores da Nova Geração, tanto McNeill quanto Dawson adquiriram uma segunda carreira como diretores de episódios dos seriados.


A série estreou em janeiro de 1995, durante a terceira temporada de DS9. A idéia ao colocar Voyager nos confins da galáxia era explorar novas formas de narrativa e novas aventuras que jamais teriam sido possíveis nas séries anteriores. Estando longe de casa, eles não tinham como ir a um porto para reparos da nave. Eles tinham de conservar seus recursos e dependerem de outras sociedades para ajudá-los em sua jornada. Contudo, não foi bem o que aconteceu nessas sete temporadas. E em muitos casos, eles fizeram cópias mal-feitas de elementos préviamente estabelecidos na franquia. O maior exemplo disso é a raça Kazon. Ninguém negaria que estes foram uma cópia muito mal-feita dos Klingons.


Visualmente, a série começou timidamente, mas com o advento dos efeitos visuais, os produtores começaram a explorar mais possibilidades. Voyager foi a primeira nave a ter a capacidade de aterrisar completamente num planeta. O avanço na computação gráfica permitiu excelentes efeitos nas temporadas posteriores, incluindo batalhas contra os Borg e inclusive uma das melhores cenas da série em seu 100º episódio*, no qual Harry Kim tenta reverter um desastre violando leis temporais, ao impedir que a tripulação cometa um erro que faz com que a nave caia num planeta gelado.


*O episódio, além de ser dirigido por LeVar Burton teve também a participação do ator, reprisando o papel de Geordi LaForge.


A série nunca teve o nível de audiência da Nova Geração. Eventualmente, a Paramount passou a se preocupar e foi atrás de medidas para remediar isso. Foi assim que criaram uma nova personagem durante a quarta temporada. A personagem, Seven of Nine, vivida pela atriz Jeri Ryan, era uma humana que havia sido assimilada pelos Borg. Janeway e a tripulação conseguiram removê-la da coletiva Borg e passaram a reestimular sua humanidade.


A vinda de Ryan custou a presença de Lien na série. A personagem Kes foi rapidamente eliminada do elenco*. Este foi uma questão controversa. Kes vinha se tornando uma personagem mais intrigante, principalmente após a terceira temporada, com mais presença e maturidade. E Lien vinha melhorando aos poucos. Dizem que Mulgrew aceitou mal a mudança súbita de atrizes no meio do caminho, e sempre circularam boatos de que Mulgrew não se dava bem com Ryan em decorrência disso.


*Supostamente, quem era para ter sido eliminado do elenco era Wang. Inclusive, ele não se dava bem com Rick Berman. Só que Wang saiu na capa de uma revista como um dos galãs mais sexys de 1997, o que supostamente teria ajudado a mantê-lo no seriado.


Um fator que entrou em Voyager com a vinda de Ryan foi o apelo sexual. Por mais que passasse mensagens progressistas em sua narrativa, Star Trek sempre teve uma relação tímida com a sexualidade até por ser um produto de censura livre, exibido fora do horário nobre. Haviam fãs que tinham fantasias com personagens como Deanna Troi ou Jadzia Dax. Na busca pelo público adolescente, os produtores colocaram Seven of Nine em um uniforme que realçava suas curvas, estimulando a imaginação de muitos. Numa série que promovia igualdade entre os sexos tendo uma capitã feminina, além de várias outras personagens femininas em posições de destaque, isto foi visto como um retrocesso dentre muitos fãs. Outro revés foi que a inclusão desta personagem acabou por reduzir a presença do restante do elenco.


Em defesa da personagem, ela foi muito bem desenvolvida nos roteiros e Ryan deu uma bela performance. Ela se tornou aquela que analisa a humanidade por outro ângulo, seguindo o mesmo caminho que Spock e Data.


No outro lado da moeda, não há como negar o apelo que os Borg tem no universo de Jornada. Eles renderam alguns dos episódios mais aclamados da Nova Geração, além do sucesso de Primeiro Contato nos cinemas. Para Braga, foi natural levar Voyager nessa direção, até porque já era estabelecido na mitologia da franquia que os Borg dominavam aquele canto da galáxia e era inevitável que a tripulação cruzaria com eles no caminho pra casa.


Mas também pode se admitir que os Borg foram usados além da conta durante a série, perdendo boa parte da originalidade e do fator surpresa que eles tinham originalmente. Quando Voyager chegou ao fim em 2001, eles já não impressionavam mais como vilões.


Voyager contou vários tipos de histórias. Um de seus fatores positivos foi o uso do Doutor, levantando a questão de que se hologramas tem os mesmos direitos que seres humanos comuns. Assim como fizeram com Data e os direitos de andróides na Nova Geração, Voyager levantou essa questão. Se você é programado, o quanto você é sentiente? Ao decorrer destes sete anos, vimos o Doutor ir muito além de seus parâmetros originais, vivendo experiências inusitadas.


Voyager foi o primeiro trabalho para vários jovens roteiristas. Dentre eles, Bryan Fuller começou sua carreira ali. Hoje, ele é um dos showrunners/produtores mais aclamados responsável por séries como Hannibal e Pushing Daisies. Inclusive, Fuller é atualmente o responsávelo pelo desenvolvimento da nova série, Star Trek Discovery, que deverá estrear em 2017.


Após o fim de DS9 em 1999, foi decidido que não teria outra série no ar até que Voyager fosse devidamente concluída nos dois anos seguintes que ainda tinha. Certamente tanto Berman quanto a Paramount foram percebendo o risco de sobrecarregar fãs com material, levando a franquia a uma inevitável fadiga. Durante a última temporada de Voyager, Braga reduziu seu envolvimento com a série para focar no desenvolvimento de Star Trek: Enterprise, que iria ao ar logo em seguida. Kenneth Biller, o roteirista mais experiente do seriado, assumiu a última temporada como produtor, dando um foco maior na relação entre os personagens.


No fim das contas, não posso nem culpar muito Voyager por suas falhas. Mesmo a série original, A Nova Geração e DS9 tiveram vários episódios de péssima qualidade, detestados por fãs de forma unânime. Voyager teve apenas um nesse patamar: Threshold, exibido na segunda temporada, que lida com uma situação na qual Paris ultrapassa Warp 10 com uma nave auxiliar e acaba se transformando num mutante. O maior crime desse episódio é que o Doutor consegue reverter a mutação de Paris. Se fosse assim, porque não colocavam a nave em Warp 10 até chegar em casa para então reverter a mutação de todos posteriormente? Nada nesse episódio funciona, e o próprio Braga é um de seus maiores críticos.


O problema principal de Voyager foi desperdiçar seu potencial e não ir além. Todas as histórias contadas nesta série já haviam sido produzidas nas encarnações anteriores de alguma forma ou outra. Em 1987, dava pra justificar isso. Em 1995 e além, já não dava, ainda mais com DS9 ao seu lado tomando rumos narrativos ousados como colocar a Federação em guerra durante várias temporadas. Sempre que Voyager tentava uma idéia ousada, os roteiristas eram obrigados a voltar atrás no fim do episódio. A UPN fazia questão de exibir episódios na ordem que bem desejassem. Isso desencorajava os produtores a criarem arcos narrativos à longo prazo. Em 1997, Brannon Braga e Joe Menosky haviam concebido o conceito do "ano do inferno", no qual Voyager passaria um ano inteiro sendo caçada por uma raça alienígena violenta e sofrendo danos drásticos, e diversas mortes de tripulantes, sem chance de reparos ou descanso. Seria uma versão ultraviolenta de Battlestar Galactica. Essa era a idéia original da quarta temporada, e acabou sendo reduzida a um episódio de duas partes, e toda a narrativa é revertida no final quando uma intervenção temporal anula todo a jornada.


De qualquer forma, a série teve vários bons episódios ao decorrer das temporadas. Marina Sirtis e Dwight Schultz, da Nova Geração, reprisaram os papéis de Deanna Troi e Reg Barclay e exerceram um papel na tentativa de estabelecer contato direto com Voyager nas últimas temporadas.


O episódio final mostra eles chegando em casa, mas recorre a uma história de viagem no tempo muito batida para atingir esse objetivo. A forma como a Janeway do futuro resolve alterar sem escrúpulos os eventos para que sua tripulação chegue em casa um pouco mais cedo não é muito consistente com a personagem estabelecida. Mas consistência também sempre foi um problema recorrente na narrativa de Voyager.


O crime narrativo maior foi este final não ter abordado a forma como esses personagens se readaptariam em sua volta à Terra. Como a Seven of Nine se encaixaria no coração da Federação? Qual seria o fruto da evolução do Doutor (que ainda não tinha nome próprio após sete anos)? Tinha também a questão dos Maquis. Os membros de Voyager eram os únicos restantes do grupo, até pelo fato do restante ter sido dizimado pelos Dominion em DS9 anos antes. Isso até rendeu um bom episódio de Voyager chamado Extreme Risk, mas a série não examinou essa questão além disso. Foi outra situação de potencial desperdiçado.


Com o fim de Voyager em 2001, Berman já estava ocupado produzindo o último filme da Nova Geração e preparando para lançar Jornada nas Estrelas: Enterprise com Braga. E desta vez, eles estavam determinados a sacudir mais a franquia pelo bem deles e também dos fãs.


Fique com algumas cenas da série, logo abaixo, incluindo a sequência de abertura cuja trilha foi uma excelente composição de Jerry Goldsmith:







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