A trajetória de Tarantino

(6 de jan. de 2016)



Estreia nessa semana Os Oito Odiados, o mais novo filme de Quentin Tarantino. Mais uma vez no gênero do western, assim como o recente Django Livre, Tarantino imprime sua identidade com sua paixão pela sétima arte e tendência a extrair diálogos auto-conscientes de seus personagens. Vamos rever todos os passos de sua carreira.


Tarantino jamais escondeu sua paixão pelo cinema. Ao contrário de cineastas como Spielberg e Scorsese, ele não cresceu fazendo filmes caseiros. Mas tendo passado sua juventude trabalhando em uma locadora de vídeo, teve a oportunidade de assistir a inúmeros filmes, incluindo os títulos mais obscuros que se pode imaginar. Foi isso que o levou a entrar nesse mundo.


Tarantino fez questão de abordar todo tipo de gênero em sua filmografia. Cães de Aluguel foi sua tentativa de subverter os filmes de assalto. Pulp Fiction contou múltiplas tramas de forma não-linear. Jackie Brown foi uma adaptação de um clássico de Elmore Leonard, ao mesmo tempo com uma direção destinada a homenagear os filmes blaxploitation. Kill Bill misturou filmes de vingança com mitologia japonesa, e chegou a emular traços de mangá. À Prova de Morte foi sua experiência com o fenômeno dos filmes Grindhouse. Bastardos Inglórios foi sua contribuição para os filmes retratando nazismo e segunda guerra. Já Django Livre foi sua primeira carta de amor ao mundo dos faroestes, remetendo mais uma vez à trama de vingança.


Pra qualquer diretor profissional, ter um início de carreira com um filme aclamado é o melhor dos mundos. Foi o caso de Tarantino. Ele, que já havia vendido os roteiros de Assassino por Natureza e Amor à Queima-Roupa, deixou claro quais eram suas ambições ao impressionar o público com Cães de Aluguel. O filme reuniu um elenco poderoso, incluindo Tim Roth, Michael Madsen, Lawrence Tierney, Harvey Keitel e Steve Buscemi. Tarantino sempre teve sede de subversão ao contrariar as convenções dos gêneros que abordou. No caso deste filme, acabamos vendo um filme de assalto sem jamais saber o que aconteceu, porque a trama começa logo após o evento. Passamos o filme inteiro tentando juntar as peças e entender o que deu errado no assalto.


Quem não se lembra da cena em que o personagem de Madsen corta a orelha do policial Marvin Nash? Em 1992, a cena foi chocante. O que mais marcou nessa sequência foi a ausência de tomadas diretas do banho de sangue. Anos depois, quem colecionou o filme em DVD foi descobrir que Tarantino havia filmado diversas cenas explícitas do evento, mas preferiu cortá-las e deixar a mutiliação mais implícita, até pelo fato dele achar que as próteses não eram realistas o suficiente.


Dois anos depois, Tarantino trouxe mais uma obra para os cinemas. Pulp Fiction foi um banho de metalinguagem e narrativa não-linear, além de não ter um protagonista principal. Assim como Cães de Aluguel, o imenso tamanho do elenco, repleto de personagens foi o suficiente para sustentar o filme. Com Bruce Willis, John Travolta*, Uma Thurman, Samuel L. Jackson, Tim Roth, Ving Rhames, e muitos outros, o filme repleto de diversas tramas diferentes foi capaz de prender o espectador em cada uma delas.


*Muitos também lembram do filme por ter revivido a carreira de Travolta. Sem dúvida que a sequência onde ele dança "You Can Never Tell" com Uma Thurman foi crucial para isso ao explorar a dança coreografada, que sempre foi marca registrada do ator.


O que muitos especulam até hoje é o conteúdo da maleta vista no filme. Até hoje não sabemos o que havia lá dentro. Isso remete ao que cinéfilos chamam de MacGuffin. Um objeto inserido no roteiro de um filme cuja função é incentivar os personagens a tomar ações. O conteúdo do objeto em si é irrelevante.


Cães de Aluguel foi o pontapé inicial de Tarantino. Já Pulp Fiction foi sua consagração. O filme, feito por pouquíssimo dinheiro, reaqueceu o cinema independente norte-americano, e permitiu a companhias como Miramax ganhar espaço na indústria. Tudo isso culminou com as vitorias que Tarantino teve ganhando tanto o Oscar quanto o Globo de Ouro pelo Melhor Roteiro Original. Nascia mais um cineasta-celebridade cultuado por milhões.


Jackie Brown seguiu a linha dos filmes de temática policial, desta vez adaptando Ponche de Rum, de Elmore Leonard. Lançado em 1997, o filme tinha Samuel L. Jackson, Michael Keaton, Robert De Niro e Bridget Fonda como rostos conhecidos. Mas o grosso do filme era protagonizado pela personagem vivida pela esquecida Pam Grier, e seu interesse amoroso vivido por Robert Forster. Não tão preocupado em subverter gêneros como seus dois antecessores, o filme foi uma homenagem direta aos filmes blaxploitation de baixo orçamento feitos na década de 1970. É nesse período que descobrimos o lado apaixonado de Tarantino, já que ele expressa sua juventude como rato de locadora de vídeo. Imaginaria Spielberg fazendo um filme de baixo orçamento tentando emular um gênero esquecido?


Jackie Brown dividiu opiniões. É fato que nenhum filme seria capaz de corresponder às expectativas após Pulp Fiction. Muitos o consideram um clássico. Outros o vêem como uma decepção, desprovido de indentidade. Vale mencionar que muitos fãs da primeira fase de Tarantino acham que ele deveria ter permanecido criando filmes de cunho policial, focando nas vidas de criminosos, ao invés de explorar artes marciais, nazismo e westerns. Para eles, Jackie Brown foi sua última grande obra.


O que levou a uma espera de seis anos até que Tarantino voltasse com outra obra....


Kill Bill começou como uma idéia que Tarantino teve durante as filmagens de Pulp Fiction. Ele e Uma Thurman criaram juntos a personagem da Noiva. Tarantino a prometeu que um dia levaria essa história às telas de cinema. Foi uma espera merecida.


Lançado em 2003, o filme foi uma mistura de diversos gêneros. O roteiro ficou tão longo que Tarantino não teve outra escolha a não ser dividir o filme em duas partes. A primeira parte foi a oportunidade para Tarantino explorar toda sua paixão pelos filmes de artes marciais, além de vivenciar toda a cultura oriental. Teve de tudo neste filme. Até teve espaço para animação japonesa ao mostrar as origens de O-Ren Ishi.


Mais uma vez recorrendo a narrativa não-linear, dividida em capítulos, o filme segue a jornada da Noiva em busca de vingança por ter sido colocada em coma e ter seu bebê retirado do ventre. Kill Bill foi talvez o exemplo mais marcante de uma protagonista direta nos filmes de Tarantino, e dessa vez o público seguiu sua jornada desde seu coma até sua vitória, com direito a plena catarse, angústia e êxtase.


Já o segundo volume foi lançado em menos de um ano. Desta vez, a ação seguiu para um ambiente mais ligado ao western. Assim como a sequência da orelha decepada em Cães de Aluguel, Kill Bill deu a tarantino a chance de se superar com outra sequência de tortura. Nesse caso, a cena onde a Noiva é presa dentro de um caixão e enterrada viva. Um desafio logístico, com cenas filmadas em preto-e-branco, além de uma performance inesquecível. Foi tão marcante que acabou inspirando Tarantino a retomar essa sequência claustrofóbica em um episódio de CSI, além de inspirar o filme posterior de Ryan Reynolds.


Com Thurman, Lucy Liu, Daryl Hannah, Michael Madsen e o lendário David Carradine, Kill Bill foi um prato cheio de metalinguagem, referências a super-heróis, vingança, motivação e cenas puramente hilárias assim como inesquecíveis. Mais uma vez, os fãs ficariam anos à espera pelo seu trabalho seguinte....


À Prova de Morte foi uma experiência inusitada que o cineasta teve com seu companheiro Robert Rodriguez (com quem tinha escrito o roteiro de Um Drink no Inferno). Assim como Jackie Brown explorou o gênero blaxploitation, À Prova de Morte foi uma homenagem aos filmes do fenômeno conhecido como Grindhouse, explorando todos os gêneros apelativos que se pode imaginar. Geralmente, drive-ins passavam diversos filmes mal-cortados e cheios de furos feitos em baixíssimo orçamento. Além disso, os filmes vinham com trailers falsos, vendendo produções inexistentes.


Os filmes não foram tão bem com o público, apesar de ganharem o aprecio da crítica. O filme de Rodriguez foi Planeta Terror, enquanto Tarantino resolveu fazer um filme básico de perseguição automobilística ao escrever o roteiro de Prova de Morte. Assim, Tarantino deu o primeiro papel de atriz à Zöe Bell, que era mais conhecida por seu trabalho como dublê (ela havia sido dublê de Uma Thurman em Kill Bill). Quem viu o filme, lembrará-se da performance de Kurt Russell como Stuntman Mike, um dublê que sequestra e mata mulheres indefesas por puro prazer. O melhor do filme é sem dúvida seu final. Evitando spoilers, só vendo para crer....


Em 2009, Tarantino voltou a chamar atenção ao lançar Bastardos Inglórios. O filme, que reuniu Brad Pitt, Michael Fassbender, Diane Kruger, Eli Roth e Daniel Brühl, foi uma versão fantasiosa da Segunda Guerra Mundial, onde Tarantino tentou projetar o que poderia ter acontecido caso os franceses tivessem tentado matar Hitler.


Geralmente filmes sobre Segunda Guerra fazem sucesso. Filmes que remetem ao holocausto também. Já filmes que mostram soldados fuzilando Hitler em plena sala de cinema, só mesmo vindo da mente de Tarantino. Mas a grande lembrança deste filme foi sua abertura de 10 minutos introduzindo o temido personagem Hans Landa, com a interpretação marcante do até então desconhecido Christoph Waltz. Raríssimo encontrar um vilão capaz de cativar o público num minuto e virar o estômago de todos no minuto seguinte. E tudo isso evitando os requintes de crueldade ou atrocidades. Outra figura marcante do filme foi a personagem Shosanna, vivida pela francesa Mélanie Laurent, que também sustentou boa parte do filme com seu carisma.


Depois de explorar a guerra, Tarantino tinha seu objetivo traçado: filmar um western de verdade, como sempre quis.


Assim veio Django Livre. Com Jamie Foxx no papel principal, eo Waltz como coadjuvante, o filme voltou à trama de vingança vista em Kill Bill. Leonardo DiCaprio, que não pode assumir o papel de Landa em Bastardos Inglórios, deu o melhor de si como o vilão escravagista Calvin Candle. E Samuel L. Jackson roubou completamente o filme por completo mostrando um mordomo negro capaz de ser ainda pior que Candle.


Com belíssima direção de fotografia, excelente trilha sonora, e uma trama quase impecável, dá para ver que mesmo com Django Livre, Tarantino não atrofiou nem um pouco nesses mais de 20 anos de carreira.


E assim antecipamos a estreia de Os Oito Odiados. Ainda veremos para ter uma noção de como será as quase três horas de filme. Infelizmente, não teremos no Brasil a oportunidade de ver isso num cinema com projeção em 70mm, como o longa foi rodado. Mas de qualquer forma, o novo filme aparenta remeter a estrutura de Cães de Aluguel, ao focar toda a ação com diversos personagens num único local. Um caso onde Tarantino retorna a onde tudo começou.


Outro detalhe que marca as obras de Tarantino é sua diversificada trilha sonora (isso sem contar com sua tara por pés femininos). São poucos os diretores com talento e ouvido musical para terem tamanha influência na trilha. Pulp Fiction é um dos melhores exemplos nesse quesito. Aproveite e curta um pouco dessa discografia logo abaixo com direito a um dos melhores momentos de Pulp Fiction:




Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 12:45  

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