CRÍTICA: X-Men - Apocalipse

(1 de jun. de 2016)



De vem em quando, há de se aplaudir audácia.


No primeiro filme dos X-Men, Bryan Singer não podia nem cogitar a possibilidade de colocar uma personagem como a Tempestade voando. Não era uma questão apenas de limitações orçamentárias ou técnicas. O presidente da Fox, Tom Rothman, era específico ao estabelecer que o filme não podia parecer cartunesco ou infantil demais. Qualquer referência visual que remetesse aos quadrinhos carregava o risco de 'alienar' uma faixa enorme de público.


Vemos hoje com o sucesso dos filmes do Marvel Studios que o público é mais aberto do que isso. Mas essa restrição perdurou nos filmes dos X-Men por um bom tempo.


Nada mais natural do que Singer, em seu mais recente trabalho, abrindo mão dessas diretrizes e deixando seus impulsos guiarem sua direção ao extremo em várias instâncias. X-Men Apocalipse mostra o nível de conforto dele. Quando Singer retrata a década de 1980 vista no filme, ele não se contém e vai com tudo. Agora, os X-Men tem direito a usar uniformes spandex, aproximando-se bem mais do visual estabelecido nos quadrinhos. Há horas que o filme beira o clichê de forma até enjoativa, mas nunca perde o foco dos personagens.


Às vezes o filme tropeça, principalmente porque são muitos personagens e muita trama a serem introduzidos (verdade seja dita, seria quase impossível superar Dias de um Futuro Esquecido).


A história só decola após 1 hora de filme quando o Professor Xavier (James McAvoy) é raptado pelo Apocalipse (Oscar Isaac). O filme tem de reiterar tudo que aconteceu com os personagens em Primeira Classe e Dias de um Futuro Esquecido, situando eles no presente, e ainda introduzir o vilão. O roteiro de Simon Kinberg podia ter trabalhado isso melhor e de forma mais direta (a morte de Havok foi apressada demais), mas Singer consegue levar o público nessa retrospectiva.


Algumas performances deixam a desejar, principalmente Jennifer Lawrence, que não se entrega ao papel de Mística como havia feito nos dois longas anteriores. Por outro lado, McAvoy e Michael Fassbender conseguem evoluir Xavier e Erik, mostrando lados inusitados deles e dando 100% de esforço nos papéis.


Sophie Turner mostra uma versão mais jovem de Jean Grey. É difícil esquecer sua presença como Sansa Stark levando em conta a bagagem de Game of Thrones, mas ela supera bem esse obstáculo e faz da Jean uma personagem própria, sem que precisemos fazer comparações a Famke Janssen. Outra revelação é Oscar Isaac, que traz uma humanidade e subjetividade que aprimoram Apocalipse de forma impressionante. Nos quadrinhos, Apocalipse era um puro vilão sem grandes nuâncias ou motivações. Isaac faz dele uma pessoa e usa seu olhar para transmitir essa vulnerabilidade.


Como era de se esperar, Mercúrio (Evan Peters) mais uma vez rouba o filme na sequência em que salva os alunos do colégio em plena explosão. Vale lembrar que o personagem tinha direitos dentro do Marvel Studios. Por isso, existiram duas versões do Mercúrio. A que vemos nesse filme, e a interpretada por Aaron Stanford no mais recente filme dos Vingadores. O mesmo personagem em dois universos cinematográficos distintos. E honestamente, a versão criada por Singer é infinitamente melhor.


Uma solução que o roteiro de Kinberg encontra para mostrar os X-Men trabalhando em equipe é a vinda de Stryker que captura vários mutantes após a explosão. Isso leva a trama a uma das melhores cenas que é o encontro dos X-Men com Wolverine (Hugh Jackman), preso há 10 anos no laboratório de Stryker. Mesmo sendo uma breve aparição, o nível de dor e selvageria carregam com força a sequência, com direito a Jean acalmando sua mente e dando a ele a liberdade e a chance de se recuperar.


Uma questão central do filme é se os mutantes deveriam se adaptar para viver entre os seres humanos. Nos dois longas anteriores, o Xavier de McAvoy tinha esse conflito com a Mística. Ele acreditava que mutantes deveriam fazer um esforço para serem incluídos nesse mundo. Esse sempre foi seu modo de operar, e foi o que afastou a Mística no primeiro filme. Em Dias de um Futuro Esquecido, Xavier deu um primeiro passo a superar essa visão limitada quando deu a Mística o direito de fazer sua própria escolha. Essa decisão fez com que ela poupasse Trask, mudando radicalmente o futuro de toda a raça mutante. Em Apocalipse, Xavier finalmente dá o passo final e permite a seus alunos a se expressarem e liberarem todo seu potencial sem se segurar. Isso culmina com o final sensacional no qual Jean libera de vez os poderes da Phoenix. Um excelente arco dramático que começou há cinco anos em Primeira Classe, com direito a começo, meio e fim.


Pode se dizer que isso vai de encontro direto a própria liberdade de Singer em sua direção e até que ponto ele abraça os excessos em prol da história.


Infelizmente, o filme peca um pouco nos cavaleiros de Apocalipse. A forma que o roteiro encontrou para incluir Magneto na equipe soa bem em papel, mas beirou o clichê como havia mencionado. Psylocke e Anjo não possuem profundidade nenhuma, que era o mesmo problema dos personagens que compunham a Irmandade comanda por Magneto na trilogia original. Quem se salva é a Tempestada (Alexandra Shipp), que é a única a ter sua origem ao menos explorada, além de ter uma mini-jornada de redenção.


O filme também erra ao não abordar a destruição em massa que Apocalipse causara no Egito. O mesmo problema enfrentado em blockbusters recentes, trivializando as baixas civis em grandes sequências de ação.


Mas enfim, mesmo imperfeito, o filme continua o que eu considero um processo de amadurecimento da série em geral. De certa forma, este filme é o que eu imagino que Singer teria feito com X3 há 10 anos atrás. Certamente, ele vem dividindo opiniões, mas admiro a forma como ele se entregou nesse último trabalho, e acho que o filme tem mais acertos do que erros. John Ottman traz de volta a trilha-tema da série e compõe obras excepcionais que acompanham e acrescentam a cada cena, além de montar o longa com a precisão já conhecida.


A cena pós-créditos também foi intrigante, deixando claro que Sinistro pode tornar-se o próximo vilão.


A Fox já discute o futuro da série, e há a possibilidade de criar um longa centrado no grupo X-Force, separado dos X-Men. Mais recentemente, a Fox lançou um comunicado oficializando a pré-produção de Legion, que fará parte desse universo cinematográfico, seguindo a jornada de um mutante que sofre de problemas mentais. A série será comandada por Noah Hawley (Fargo) e co-produzida por Singer, Kinberg e Lauren Shuler Donner.


Sem dúvida, é um universo com potencial para crescimento, e temos Singer a agradecer por ter começado este processo há mais de 16 anos com o primeiro filme, e estado presente na maioria das produções desde então, culminando com Apocalipse. E assim termina a retrospectiva dos filmes dos X-Men.





Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 13:05  

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