A Volta de Twin Peaks

(16 de mai. de 2017)




Faz 27 anos que Twin Peaks estreou na televisão. E em menos de uma semana, a série estará de volta com novos episódios.


Por isso mesmo é surpreendente lembrar que a série durou apenas duas temporadas, totalizando 30 episódios. Certamente não durou tanto quanto procedurais como Arquivo X*, tampouco teve o mesmo nível de audiência. Foi mais para um sucesso cult. O impacto que a série causou sem dúvida não foi por conta de sua longevidade e sim por sua estética inusitada.


Twin Peaks misturava novela, drama adolescente, surrealismo, mistério, romance, intrigas, terror e suspense. Tudo isso na mesma obra. Tudo sustentado pelos personagens mais versáteis, originais e um ambiente que mistura o aconchegante e pacato com a violência e o desconhecido. E tudo isso feito para a TV aberta. Isso foi possível graças ao gênio de David Lynch e Mark Frost.


Lynch era conhecido por filmes esotéricos como Veludo Azul e O Homem Elefante, e sua filmografia foi tornando-se cada vez mais composta de filmes quase indecifráveis como Inland Empire ou Cidade dos Sonhos. A idéia de um cineasta com uma voz única e autoral participar de uma série de televisão na década de 1980 era inconcebível. Foi a parceria com Mark Frost, experiente em séries como Hill Street Blues, que garantiu a série a estrutura e coesão narrativa que possui.


*Quem participou de Twin Peaks em sua segunda temporada foi um agente do FBI que se vestia como mulher. Seu intérprete? Um jovem e desconhecido David Duchovny, pré-Arquivo X.


Frost e Lynch criaram a pergunta-chave que seria a força por trás da série: quem matou Laura Palmer?


O objetivo principal do agente Dale Cooper (Kyle MacLachlan) era o de decifrar o que tinha ocorrido com a garota mais amada e admirada do colégio para ela terminar morta na beira de um rio. Isso foi só o começo do desvendar das inúmeras tramas e elementos que faziam parte daquela cidadezinha no meio do nada. Ali tinha de tudo. Personagens de todas as origens como Cooper, Shelly, Audrey, Nadine, Major Briggs, o agente do FBI surdo vivido pelo próprio Lynch, um anão dançante numa sala coberta por cortinas vermelhas, Bob*, Josie Packard, e a lista vai seguindo....


*Alguns devem saber que Bob era vivido por Frank Silva, um dos decoradores dos sets na produção, que chamou a atenção de David Lynch ao ver seu reflexo num espelho e perceber o potencial para imagens aterrorizantes. Foi assim que surgiu a idéia de desenvolver a trama em torno desse personagem.


E Cooper mantinha um bom humor sempre antecipando uma boa xícara de café e as tortas feitas na lanchonete da cidade. Ao contrário do retrato sério e implacável de qualquer trama policial, um personagem como Cooper era tão humano quanto qualquer pessoa assistindo a essa trama.


Uma pena que a série perdeu seu charme quando acabou resolvendo o mistério de Laura Palmer no meio de sua segunda temporada.


De certa forma era um problema inevitável. O público já vinha exigindo uma resolução para o caso de Laura Palmer, e a série já tinha esticado a trama o máximo possível. A lista de suspeitos já estava reduzida, e elementos sobrenaturais como o demônio Bob já tinham sido estabelecidos. Qualquer atraso seria encheção de linguiça e teste da paciência do espectador. Não havia escolha senão por um fim definitivo a essa trama principal. Assim, deu-se a revelação de que Leland Palmer, pai de Laura, havia sido possuído por Bob ao matá-la.


O problema foi que a série teve de continuar sem sua trama principal. Os episódios posteriores tiveram de se sustentar nos personagens secundários e suas subtramas cada vez mais inverossímeis. Personagens como Nadine, que cria amnésia e volta aos tempos de colégio. Teve também Josie Packard cujo espírito fica preso na maçaneta de uma gaveta de um cômodo. E teve também o fraquíssimo Windom Earle introduzido como vilão e arqui-inimigo de Cooper. Se alguns reclamavam que a trama de Laura Palmer havia sido arrastada, puderam ver que isso não era nada comparado ao ritmo glacial dessas tramas secundárias.


Mesmo com seus problemas narrativos, a série valeu pelo episódio final que mostra Dale Cooper sendo possuído por Bob enquanto se encontra no hotel Black Lodge, uma dimensão além de nossa realidade.


E Lynch acabou voltando a esse mundo com o filme Twin Peaks: Fire Walk With Me, que mostrou os últimos dias de Laura Palmer. Foi uma obra que fugiu bastante do tom e da estética estabelecidos pela série, além de gastar quase uma hora numa subtrama com nenhuma ligação com a história de Laura. Um ponto positivo neste filme foi a escalação de Moira Kelly no papel de Donna, anteriormente vivida por Lara Flynn Boyle. Mas o filme não teve o mesmo sucesso que a série.


Muitos se perguntam como deverá ser a nova temporada de 18 episódios que estreia neste domingo. Lynch dirigiu todos os episódios, sem a colaboração de talentos da série original como Tim Hunter ou Lesli Linka Glatter. E Lynch não dirigia há 10 anos, seu último trabalho tendo sido o fatídico Inland Empire, um filme sem pé nem cabeça.


Vale perguntar se a série conseguirá recapturar o estilo e o impacto que a primeira temporada teve, 27 anos depois. Twin Peaks foi principalmente um produto de 1990. A televisão mudou tanto desde aquele tempo que é praticamente impossível ter uma expectativa de como serão os episódios ou como será a recepção do público.


Resta apenas ver com os próprios olhos....



Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 13:27  

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