Jogo de Poder em Hollywood

(16 de out. de 2017)




Quem imaginaria que as alegações de abuso sexual - devido ao comportamento do megaprodutor Harvey Weinstein - gerariam uma crise de valores em hollywood? Acho que ninguém estava preparado pros desdobramentos.


Muita gente sabe que Hollywood sempre foi definida por jogos de poder e autoridade. E uma forma de exercer esse poder é através do sexo, muitas vezes flertando com casos de estupro. Weinstein não foi o único. Apenas um de muitos. No caso dele, já sabemos de pelo menos 30 casos envolvendo atrizes nas últimas décadas. Sempre houve diretores narcisistas capazes de intimidar qualquer jovem atriz, usando o poder para arruinar promissoras carreiras caso elas não satisfaçam seus desejos.


Contudo, esse lado da indústria sempre foi mantido escondido por trás de cortinas, e quando surgiam alegações, geralmente eram vindas de uma ou duas pessoas. A consequência mais severa possível? O episódio era quase sempre varrido pra debaixo dos panos via acordos ou compensações na melhor das hipóteses.


Tudo isso está mudando nesse momento. Uma ferramenta que não se possuía antigamente se tornou uma arma contra esse sistema. Redes sociais como Twitter e Facebook tornaram-se plataformas para pessoas famosas, que se sentem mais confortáveis em expor essas práticas de "teste do sofá", ganhando simpatia e apoio do público. Ao misturar o crescimento de movimentos feministas nos últimos 10 anos nessas redes, criou-se o ambiente ideal para expor todos os casos podres do passado - casos estes que eram abafados por elas mesmas ao medo de sofrer represálias ou serem tachadas de "encrenqueiras".


O resultado disso tudo tem sido visto de forma nua e crua nos últimos dias. Weinstein foi exonerado da produtora que ele mesmo criou. Contratos e projetos vem sendo cancelados. A Weinstein Company abdicou da temporada de marketing pré-Oscars*.


*Quem lembra do Oscar de 1999, quando Shakespeare Apaixonado levou a estatueta de Melhor Filme no lugar de Soldado Ryan? A mão de Weinstein pesou naquela noite.


Além disso, projetos em andamento, como uma série de temática policial com produção dos Weinsteins, com David O. Russell na direção, tendo Robert De Niro e Julianne Moore no elenco, foi subitamente cancelada pela Amazon Studios*.


*Ao que parece, orçamento da série também pesou na decisão de cancelar o projeto.


Ativistas como Rose McGowan e Ashley Judd se tornaram o pivô desse movimento*, incentivando outras atrizes, diretoras e profissionais de hollywood a exporem todo o machismo, misoginia e tratamento desigual que elas vinham sofrendo. E expondo também a forma como diretores poderosos vinham sendo protegidos pela popularidade de seu trabalho.


*A fatídica era Trump também serve como um ótimo pretexto para esse ativismo online.


Por mais que exista um clima de perseguição nos dias atuais, considero essa revolução dentro de hollywood mais do que bem vinda. Se for possível ter uma revolução social que quebre essas relações de poder dentro dessa indústria, essas vozes não podem ser caladas. Independente da causa - sexo, orgulho, racismo, etc. - essa desigualdade social tem de ser corrigida. Poder é responsabilidade. Poder sendo usado para bullying é revoltante. Se hollywood é para ser a fábrica dos sonhos, as pessoas que criam esses sonhos merecem um ambiente de trabalho a altura dessa vocação. Um ambiente de respeito, igualdade, tolerância e democracia. O caso de Harvey Weinstein é apenas o início desse processo.


O melhor disso tudo? Nunca mais vai ter uma injustiça nos Oscars como aquela vista em 1999.


Nada contra Shakespeare Apaixonado, mas aquele era o ano em que Soldado Ryan era indiscutívelmente o melhor filme. E Além da Linha Vermelha, de Terrence Malick, era melhor que ambos - completamente ignorado.


A questão agora é se Hollywood vai ter o mesmo caso de memória curta que permeia principalmente o mundo da internet.



Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 09:53  

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