Nessas últimas semanas, tive o privilégio de assistir aos primeiros episódios de The Mandalorian. A primeira série live-action passada no universo de Star Wars tem vários méritos: a estética western, a narrativa minimalista criada por Jon Favreau e Dave Filoni, a simplicidade da aventura, a presença de Pedro Pascal que consegue criar um personagem cativante apesar de viver escondido por trás da armadura, os excelentes efeitos visuais e as super bem executadas cenas de ação.


Mas o aspecto que mais me chamou a atenção nesses 4 primeiros episódios foi a duração deles. Nenhum sequer passou de 35 minutos.


Tradicionalmente, séries classificadas como drama tem duração de pelo menos 42 minutos (décadas antes chegava aos 50 min). Já comédias circulam em volta de 21 minutos (qualquer episódio dos Simpsons). A idéia, principalmente pra programas de TV aberta, é que essa duração complementada por intervalos comerciais atinja a duração estipulada na grade de 1 hora (ou meia hora).


E uma questão a ser mencionada é que Mandalorian é exibida através do Disney+, um serviço de streaming pago. Em outras palavras, não há quaisquer intervalos comerciais para preencher o tempo restante.


Então por que essa série se deixa pautar por uma duração tão curta pro gênero ao qual pertence?


Acho que isso abre espaço pra repensar e debater a rigidez dos formatos audiovisuais. Por que uma comédia precisa durar apenas 22 minutos? Por que não mais que isso? Ou menos? Um drama precisaria realmente passar dos 40 para ser classificado como tal? Um filme precisa realmente durar 2 horas*?


*Ou na maioria dos casos até menos que isso. A tendência comercial de enfileirar sessões força a exibição de filmes cada vez menores. 90 minutos vem se tornando um padrão.


Quando a HBO começou a investir em conteúdo original há mais de 20 anos, um de seus maiores diferenciais foi justamente a duração de seus episódios. Livres da pressão de intervalos comerciais, eles deram a seus criadores liberdade criativa para editar episódios da maneira que bem entendessem. Episódios de Sopranos passavam de 55 minutos, e até além de 60 min em certos casos.


Mas isso não significa que uma série mais duradoura seja necessariamente melhor. A tendência de maximizar as tramas se tornou algo a ser caçado no mundo dos seriados. Esse por sinal é um dos problemas mais sérios no que diz respeito as séries do Netflix. São poucas as obras ali que tem conteúdo suficiente pra uma temporada, quem dirá episódios de 56 minutos. São casos exemplares de obras arrastadas, no qual pouquíssimo acontece em um único episódio, sempre com um gancho no final pra forçar o espectador a prática do binge-watching*. Nada que uma boa montagem e edição não poderiam consertar.


*Que no caso significa assistir a múltiplos episódios de uma só vez.


No caso de Mandalorian, a própria estrutura da história sendo contada se sustenta perfeitamente nos 32 minutos de duração. É um drama simples com pitadas de ação e aventura. Se fosse mais longo, provavelmente ficaria arrastado. E se fosse 5 minutos mais curto, ficaria algo muito acelerado e súbito pro público assimilar.


O que me leva a dar um palpite em meio a controvérsia que surgiu por causa do Irlandês, a mais nova obra de Martin Scorsese. Muitos tem reclamado da duração do longa, que chega a 3 horas e 29 minutos (incluindo créditos), e que seria impossível assistir a todo ele em uma única sessão.


E honestamente digo que eles estão completamente equivocados.


Vamos por partes, citando exemplos. Já houve inúmeros filmes acima de 3 horas no passado. Todos os filmes da trilogia Senhor dos Anéis ultrapassaram essa barreira. Clássicos como Ben Hur idem. O próprio Scorsese nunca foi de fazer filmes curtos. Um de seus clássicos, A Épóca da Inocência, é prova viva disso.


E ninguém chiou quando a Marvel lançou Vingadores: Ultimato, com 3 horas de duração. Alguém honestamente sentiu o tempo passar durante aquela aventura?


Assisti O Irlandês numa das poucas sessões de cinema que tiveram antes do lançamento no Netflix. E não senti o tempo passar. O mergulho na vida de Frank Sheeran e seus comparsas foi tão profundo que perdi completamente a noção desse tempo e do mundo lá fora. Esse foi o nível de imersão que Scorsese conseguiu criar com essa experiência.


Então por que a dificuldade de sentar com calma e assistir com atenção a jornada desses gangsters agora?


A realidade é que a gente vive numa sociedade cada vez mais fragmentada por uma síndrome de déficit de atenção. O excesso de informações, a instantaneidade do acesso a essas informações.


Mídias novas como YouTube e Instagram vem redefinindo o ritmo da narrativa. Quando surgiu em 2005, o YouTube instituiu o limite de 10 minutos por vídeo como uma forma de economizar espaço e aproveitar a então banda limitada de internet. Limite esse que já foi abolido e superado há muito, mas que foi fundamental na criação da narrativa que muitos Youtubers aderiram. Isso condicionou um público a consumir produtos e narrativas com tempo bastante restrito. E acho que isso tem mudado o comportamento de muita gente - na minha opinião - para pior. Na própria sessão do Irlandês na qual estava, dava pra ver algumas pessoas entediadas que não conseguiam desgrudar do maldito telefone, ou que saiam e voltavam da sala*. É um problema sério quando alguém não consegue manter a atenção focada numa única coisa por qualquer tempo prolongado (e quem dirá o que isso faz pra alunos que estudam hoje).


*Dica pra quem não curte pausar o filme: vá ao banheiro antes da sessão, e evite bebidas durante.


Ao mesmo tempo, existe uma certa sensação de que ninguém tem tempo para mais nada. Quando bate aquele cansaço no fim de uma longa jornada de trabalho, vem aquele momento em que você se pega na dificílima decisão do que irá fazer nos momentos de folga que possui. Só que não é necessariamente o caso. Tempo se administra. Quando uma pessoa resolve assistir a um filme no cinema, mesmo algo que dure apenas 1h40, ela está tomando uma decisão que irá consumir tempo e dinheiro, privando-a de outras possibilidades de passar o dia. Acrescenta-se mais 90 minutos de preparo e transporte, e o tempo ultrapassa 3 horas do dia dessa pessoa. Essa foi uma escolha dela.


Então, quando alguém diz que não tem tempo para ver uma obra como O Irlandês, o mais certo seria dizer que esse espectador não está psicologicamente disposto a enfrentar essa jornada. Uma forma rebuscada de dizer que simplesmente não está a fim.


Não que haja algo de errado quanto não estar a fim. Novamente, tudo na vida é uma escolha. Mas fugir dos padrões e buscar experiências diferentes sempre acrescenta algo. Ver uma obra como O Irlandês não vai ser a mesma experiência que ver um filme de ação convencional, um romance ou uma comédia que se resolve em 1h40. Vai ser algo bem diferente. E essa diferença é essencial pra que se tenha variedade e diversidade no cinema e na TV.


A verdade é que se a história te prende, você não vai sentir um minuto sequer. Se o filme fica parecendo longo, provavelmente é porque foi mal editado e dirigido. Novamente cito a maioria das séries do Netflix como exemplo.


Existem aqueles que argumentam que O Irlandês poderia ter cortado algumas cenas que não avançam a história. Não são cenas necessariamente essenciais, mas no fim acrescentam e complementam o ritmo que Scorsese almejava. A idéia aqui não é ficar preso no suspense, e sim contemplar a decadência física e mental desses protagonistas que sobreviveram uma vida sangrenta e viram seus corpos deteriorarem. Nada mais justo que um ritmo que mostre essa deterioração lenta. O Irlandês não precisa de uma narrativa mais ágil, assim como Mandalorian ficaria bem arrastado se tentassem estender a história além do que cada episódio precisa.


Tanto Mandalorian quanto O Irlandês são extremos opostos em termos de ritmo e duração, mas cabe ambos os exemplos pra lembrar que no fim das contas uma obra bem executada flui de forma natural pra quem assiste, independente da duração. Ela não pode ser usada como parâmetro de qualidade jamais.


No fim das contas, existe espaço pra entretenimento com todas as durações que se pode imaginar. Sempre terá alguma parcela do público interessada.


Enfim, uma idéia para se pensar mais a fundo.



Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 12:25  

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