Jornada nas Estrelas (Star Trek) está para completar 50 anos de existência, no dia 8 de setembro. Este é um de vários posts sobre a longa história dessa franquia.



Tudo começou na década de 1960. Gene Roddenberry, veterano da Segunda Guerra Mundial, havia se tornado um roteirista de TV no crescente mercado norte-americano. Foi durante a produção do seriado The Lieutenant onde ele se familiarizou com vários atores que fariam parte de Jornada.


A própria tentativa de vender Star Trek para o canal NBC foi uma batalha interminável. Naquele período, a tendência na TV americana era de vender séries de comédia, aventura ou dramas familiares. Ficção científica era um bicho de sete cabeças, e eram poucos os executivos em hollywood que viam qualquer potencial lucrativo em tal empreendimento. Para eles, o segmento que continha o público-alvo era muito pequeno para ter relevância.


E quando Roddenberry finalizou o episódio-piloto que daria o pontapé inicial ao seriado, vieram mais complicações. A NBC considerou o produto "cerebral" demais para o público, focando em dilemas morais complexos em detrimento de drama e ação. Contudo, ficaram impressionados com a ambição do roteiro de A Jaula e pediram um segundo episódio-piloto com mais enfoque na ação e mais conflito entre os personagens. Pediram três histórias diferentes com base na bíblia do seriado criada por Roddenberry, e por fim selecionaram Aonde nenhum Homem jamais esteve, um roteiro escrito por Samuel A Peeples. Com o segundo piloto aprovado, a série foi adiante.


Uma das mudanças de imediato na produção foi uma mudança radical de elenco. No piloto original, o capitão era vivido pelo astro Jeffrey Hunter. A segunda-tenente era vivida por Majel Barrett (que eventualmente casaria com Roddenberry). O único rosto familiar era Leonard Nimoy interpretando o vulcano Spock. Ele foi o único ator* que Roddenberry conseguiu segurar para o segundo piloto.


*Apesar de ter sido rejeitada no piloto original, Roddenberry conseguiu reintroduzir Barrett no papel da Enfermeira Chapel no meio da primeira temporada.


Foi no segundo piloto que os produtores escalaram William Shatner e criaram o papel do capitão James T. Kirk. O estilo teatral de Shatner foi essencial na construção do personagem e sua popularidade dentre os fãs.


E assim começou a jornada. Exibida de 1966 a 1969, a série contou as viagens e aventuras da U.S.S. Enterprise e sua tripulação, numa missão de cinco anos pelos confins do espaço. Só que ao invés de séries como Perdidos no Espaço ou Terra de Gigantes, Jornada procurava sempre gerar drama através de dilemas morais sempre que possível. Não era uma jornada sem rumo, e sim uma missão com diretrizes bem específicas.


Muitas das histórias contadas no seriado eram alegorias a questões reais, tais como a guerra fria, o nazismo, direitos raciais e outras questões sociais. Roddenberry, ao lado de roteiristas talentosos como Gene L.Coon, D.C. Fontana, John Meredyth Lucas, Richard MathesonDavid Gerrold, Harlan Ellison e Theodore Sturgeon eram capazes de abordar todos os assuntos que eram proibidos na TV daquela época. Graças ao ambiente futurista e a premissa de aventura, eles foram capazes de burlar esses limites e desafiarem cada questão de forma provocativa.


Mas a alma de jornada não eram as tramas ou alegorias sociais em si. O ponto central da série era a dinâmica entre os personagens que compunham esta tripulação. Não há como negar o impacto que Spock teve na cultura mundial, e a forma como Nimoy interpretou o personagem com sutileza e uma complexidade fora do normal, sabendo injetar humor num personagem desprovido de tal emoção. Os debates entre lógica e emoção também foram centrais nos conflitos da série. A dinâmica entre Spock, Kirk e McCoy foi a base para a grande maioria dos episódios.


Além deles, a série tinha um elenco de apoio extremamente diverso, com George Takei interpretando o japonês Sulu, Nichelle Nichols interpretando a africana Uhura, Walter Koenig vivendo o russo Chekov e James Doohan como o escocês Scotty. Hoje estamos acostumados com elencos de origens distintas, mas na década de 1960 era uma manobra ambiciosa por parte da produção, ainda mais quando estes personagens exerciam funções fundamentais na nave ao invés de seguirem a tendência da época que era personagens étnicos serem servos de classe inferior.


O seriado foi ameaçado de cancelamento durante toda sua exibição. Foi necessário o esforço de fãs dispostos a escrever cartas de protesto a NBC para que a série fosse mantida no ar. Hoje, você vê o legado desse fenômeno. O fato de que há fãs dispostos a bancar tantas produções independentes baseadas neste universo mostra o quanto a paixão move as pessoas. Star Trek também inspirou gerações de cientistas, intelectuais e professores, todos determinados a impulsionar um progresso para toda a humanidade, representando os melhores valores de cada um.


E foi uma produção conturbada. Roddenberry tinha brigas sérias com muitos dos roteiristas na tentativa de manter o controle criativo sobre a obra, e ao mesmo tempo gerar tramas que fossem fiéis aos parâmetros da série. Essas disputas levaram a colapsos nervosos de gente como Gene Coon, que acabou deixando as pressões da produção de lado.


Apesar dos contratempos, eles foram capazes de produzir duas temporadas repletas de episódios marcantes. Roddenberry inclusive foi capaz de reaproveitar a maior parte do piloto original num episódio especial de duas horas que envolvera Kirk e Spock com o personagem de Hunter, o antigo capitão Christopher Pike.


Outro episódio marcante foi A Cidade á Beira da Eternidade. Escrito por Harlan Ellison, o episódio colocou Kirk e Spock numa corrida de volta ao passado para impedir que McCoy alterasse a história da humanidade, forçando que Kirk permitisse a morte de Edith Keeler, a paixão de sua vida. Uma história trágica repleta de conflitos e arrependimento que rendera uma premiação ao Hugo.


A série também tinha potencial cômico. Quem não lembra do episódio Problemas aos Pingos? A tripulação da nave adota um pingo, uma pequena bola de pelo que se reproduz rapidamente e acaba provocando uma infestação incontrolável. Dentre essa questão mais uma disputa territorial contra os Klingons, foi um prato cheio para os fãs. O episódio foi tão marcante que gerou uma homenagem quase 30 anos depois na série Deep Space Nine.


A renovação da série para uma terceira temporada parecia ser uma nova chance da série provar seu valor para o público. Contudo, a NBC transferiu o horário de exibição para sexta-feira à noite, minando qualquer chance de ganhar público. Esse "horário da morte" literalmente matou a série. Além da péssima audiência, a NBC havia cortado o orçamento, forçando limitações brutais na capacidade da produção em contar histórias. De quatro episódios, um se passava inteiramente dentro da nave sem atores convidados, a fim de economizar dinheiro. Por fim, o produtor Fred Freiberger que assumiu a série após a desistência de Roddenberry tornou-se a figura responsável pela queda de qualidade do produto final, repleto de episódios preguiçosos ou falhos. O Cérebro de Spock foi um desses, mostrando uma trama completamente inverossímil até para os padrões de ficção científica que a série tentava preservar.


Infelizmente, não teve como salvar a série pela terceira vez, e assim Jornadas nas Estrelas foi cancelada com 79 episódios. Contudo, esse era apenas o início de uma longa jornada para os fãs, que começaram a descobrir o seriado através de reprises nos anos seguintes, e fez a Paramount perceber que tinha uma franquia em suas mãos.


Fique com uma cena do episódio Tempo de Loucura, da segunda temporada, logo abaixo:




Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 13:49  

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