Levando em conta a pandemia do coronavírus em curso, é natural que muitos procurem filmes que abordam situações similares.


Um dos filmes mais procurados pelo público nessa última semana foi Contágio, filme de 2011 dirigido por Steven Soderbergh, com Matt Damon, Gwyneth Paltrow, Jude Law, Laurence Fishburne e Kate Winslet encabeçando o elenco. É um retrato bastante explícito do que aconteceria numa situação onde é quase impossível controlar as inúmeras variáveis envolvidas. Tentar deter um vírus que se alastra com tamanha facilidade é que nem pisar num formigueiro - em outras palavras, tão perigoso em si só.


Contudo, tem algo que nesse clima de histeria que poucos devem ter percebido: Contágio tem um final feliz. Esse é um dos motivos pelo qual gosto desse filme em particular.


É verdade que há um número alto de mortes e caos resultante. Mas as comunidades médica e científica, com o devido apoio político, conseguem trabalhar a crise, formulam uma resposta e assim contém a epidemia, salvando boa parte da humanidade.


E é raro ver um filme assim em Hollywood. Não é nenhum segredo que a indústria do cinema tem um amor nada discreto com o apocalipse. Exterminador do Futuro está aí para provar isso, com 6 filmes e uma série que sempre reiteram a ideia de que a humanidade já está condenada e que não há como impedir isso. As máquinas já tomaram o poder. A franquia Walking Dead também segue pelo mesmo caminho, usando o apocalipse zumbi como metáfora pra mostrar que numa situação dessas, a humanidade não trilhará outro caminho que não seja da lei do mais forte. Isso sem contar filmes como Matrix e a distopia artificial já consagrada, ou então realidades alternativas em que o nazismo teria vencido a segunda guerra e ocupado os EUA, ideia já realizada em diversos filmes e séries (e até mesmo alienígenas usando uniformes nazistas!). E temos também os inúmeros filmes-desastre e invasões alienígenas que já passaram pela tela grande nas últimas décadas. A lista só cresce....


Fica a impressão que Hollywood corteja o apocalipse e se recusa a produzir conteúdo que mostre o outro lado da moeda, de que existe esperança, e que a humanidade tem solução. Mas destruir é mais fácil que construir. Mostrar o caos irrestrito é uma proposta atraente para qualquer produtor. E produzir o apocalipse supostamente vende mais. Essa é uma ideia que discordo com todas as forças.


Para quem cria histórias, é fácil criar conflito dramático quando a premissa é simples a tal ponto. Não necessariamente diria que um caso de preguiça narrativa, até porque construir qualquer narrativa é um esforço por si só. Mas diria que analisar todas as nuances, realizar toda a pesquisa e ainda assim achar uma abordagem mais positiva ou ao menos mais balanceada representa um esforço que muitos produtores não necessariamente incentivam. Porque no fim das contas, reina a velha constante de que entretenimento para as massas tem de ser de fácil digestão. Algo simples, chamativo, capaz de prender espectadores com nível de atenção cada vez mais curto.


Mas é muito mais que isso. Seria até irresponsável culpar a mentalidade comercial por buscar lucro. Até porque esse é um fenômeno cultural bem mais amplo.


Essa busca pelo negativo é de certa forma uma herança do cinema nas década de 1960 e 1970. Com a guerra do Vietnã mostrando-se um desastre pra cultura norte-americana - e o surgimento de uma nova geração de cineastas autorais (Scorsese, dentre outros) - o cinema hollywoodiano viu-se transformado, abrindo mão das narrativas dramáticas simples e tradicionais, e abraçando de certa forma um retrato não só mais realista, mas também de certa forma niilista. A ideia de que a humanidade é sua pior ameaça surgiu ali, começando com o neo-realismo europeu e eventualmente sendo adaptado para o cinema norte-americano.


Mas por outro lado, ainda existem produções que buscam realçar o positivo. Sempre admirei Jornada nas Estrelas e suas várias encarnações pela tentativa de mostrar um futuro no qual a humanidade sobrepõe a maioria dos obstáculos, supera as diferenças e se une para explorar a galáxia, buscando conhecimento e novas experiências. Sempre foi dificílimo para escritores criarem novas histórias nesse universo, porque muitos estão acostumados a ir atrás de conflitos fáceis - o que é difícil quando a humanidade já estivesse num estágio de ter superado tais diferenças sociais e culturais. Mas isso incentiva esses mesmo escritores a procurar novas formas de gerar conflito e intensidade numa trama, e isso acaba gerando soluções criativas. É reconfortante ver esse esforço realizado em sua forma plena.


Claro que isso não é um defesa irrestrita de que todos os filmes deveriam ter um final feliz. Muito pelo contrário, cada final tem de ser uma resposta justa e lógica à premissa inicial.


Por mais que o apocalipse irrestrito venda ingressos, acho importante que se tenha um esforço em mostrar esse outro lado da moeda. O lado que mostra pessoas que lutam pra reverter isso, e ocasionalmente conseguem. Se existe um esforço mundial hoje pra conter essa crise, nada mais justo que isso seja recriado na cultura e no audiovisual. Esse é o aspecto positivo que tem de ser mantido e incentivado pelo bem do cinema, e por mais diversidade narrativa.



Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 10:27  

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