Ontem teve o mais alto sinal de alerta a respeito do futuro da indústria do cinema recente. A Warner anunciou que irá lançar seu catálogo de 17 filmes blockbusters nesse próximo ano da seguinte forma: lançamento simultâneo nos cinemas e nas plataformas de streaming.


Resumindo: acabou de vez a janela de exibição.


Para quem não conhece o termo, eis uma pequena aula. Janela de exibição significa o período de exclusividade no qual as cadeias exibidoras de cinema (as salas de exibição) podem manter um filme no ar. Durante esse período, ela lucra com essa exclusividade até que o período termine e os estúdios lancem o filme em outras plataformas, sejam streaming, DVD ou canais por assinatura e abertos.


E a Warner pode ter causado uma rachadura permanente nessa represa. E isso pode encorajar outros estúdios a seguirem esse mesmo caminho.


Como todos sabem, a pandemia havia fechado os cinemas. No Brasil, estão abertas agora com restrições para impedir aglomerações. Lá fora, principalmente nos EUA, permanecem fechadas (com pouquíssimas exceções) por tempo indeterminado. O único lançamento do estúdio de destaque foi Tenet*, o mais novo filme de Christopher Nolan, e que rendeu um valor bem modesto levando em conta a pandemia. Mulher Maravilha 1984 foi adiado para o ano que vem.


*Que para mim, foi uma mistura de Amnésia com A Origem, só que bem menos original e não tão bem executado. Mas teve uma sequência de abertura impactante, que vale o preço de uma sala IMAX.


Mas o fato é que esse é um problema que já existia antes e já vinha ganhando força. A pandemia apenas acelerou o processo. Essa é uma disputa que ocorre há décadas entre as redes exibidoras e os estúdios hollywoodianos. Antigamente, salas de cinema ficavam com 50% da bilheteria de um lançamento. Nas décadas seguintes, os estúdios cada vez mais poderosos renegociaram essa partilha e acabaram ficando com uma fatia cada vez maior do lucro de seus próprios filmes. O resultado disso? Salas de exibição precisando de outras fontes de renda. Por isso que cobram preços exorbitantes nos combos de pipoca e bebida, porque é a única forma de renderem qualquer lucro.


Streaming tem provado ser uma alternativa benéfica para estúdios. Quando viram que a Netflix ia abocanhar esse novo mercado, todos eles reagiram criando serviços de conteúdo online alternativos. Disney +, HBO Max, Amazon Prime, Peacock, Hulu, e assim por diante. Se eles controlam o método de lançamento e exibição, não precisam partilhar os lucros com ninguém.


Antigamente, há quase 100 anos atrás, os estúdios eram literalmente donos das salas de exibição. Uma lei estabelecida na década de 1940 inviabilizou essa prática, vista como monopólio. Só que na época, não existia o conceito de filme blockbuster. Estúdios tinham uma variedade de lançamentos para todos os gostos, e mesmo os filmes de maior apelo comercial não eram arrasa-quarteirões capazes de varrer fora a competição.


Isso mudou na década de 1970, com Star Wars e Tubarão. Desde então, a procura pelo mega-produto capaz de gerar uma franquia com fãs fieis tem redefinido a indústria cinematográfica. Uma indústria de conteúdo e narrativa extremamente variada foi se tornando pouco a pouco algo muito mais homogêneo. Claro que isso tem resultado em produções cada vez mais caras, e que dependem de imenso retorno financeiro. Produções de $200-$300 milhões requerem retornos muito acima desse patamar para serem considerados sucessos.


O que acontece se um desses filmes não dá o devido retorno? Lembremos que foi numa dessas que a Carolco Pictures foi a falência em 1996. Gastou $90 milhões em A Ilha da Garganta Cortada, filme que rendeu menos de $20 milhões. O que acontece se um Star Wars ou Vingadores hoje perde dinheiro nessa proporção?


Seria esse talvez o começo do fim das salas de cinema? Da forma que eu vejo, há duas possibilidades. Essa seria a primeira, com os estúdios preferindo focar nas opções de streaming. E mesmo assim, eu tenho dúvidas se essa conta fecha, se o investimento de uma família numa assinatura de um serviço desses compensa a perda das vendas de ingressos.


A outra possibilidade é que os estúdios poderiam tentar acabar de vez com as redes exibidoras atuais para eles se firmarem criando novas salas de cinema que eles mesmo controlariam. É uma solução difícil de prever, que bateria de frente com as leis antitruste norte-americanas, e que continuaria sendo uma incerteza nesse período de quarentena.


A única vantagem por enquanto que eu vejo desse esvaziamento das salas de cinema é que elas ficariam livres daquele público insuportável que vai ao cinema apenas para conversar e brincar nos telefones celulares. O cinema teria a presença exclusiva de cinéfilos e amantes da arte. Mas será que esse público é o suficiente para bancar o modelo atual?


E tem também a questão de remuneração em novas mídias. Vários talentos responsáveis pela sétima arte (atores, diretores, roteiristas, etc.) dependem de pagamentos residuais. Não estou falando de estrelas poderosas como Robert Downey Jr., e sim dos rostos que o público não conhece tão bem, além do talento por trás das câmeras que não se chamam Spielberg ou Scorsese. São pessoas que trabalham de filme em filme, sem a devida segurança financeira, e que dependem desses pagamentos residuais que são negociados com base na permanência dos filmes nas salas de cinema. Alguns dizem que é quase impossível negociar esses mesmos valores em mídias alternativas como streaming. Isso mataria ainda mais a variedade no cinema, com menos espaço para players pequenos e produções menores.


De qualquer forma, é uma ruptura radical do modelo tradicional de distribuição e exibição de longas. E dá para dizer algo a respeito com convicção. Isso custará a segurança financeira de muita gente envolvida na indústria. Dizem que mercados se autorregulam, mas isso também vem com o custo de gente humilde e honesta que fez parte dessa indústria. Independente de como as coisas serão para indústria pós-pandemia, essa incerteza permanecerá para muitos.


Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 11:47  

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