Nada dura para sempre. Chega uma hora em que tudo tem de acabar.


Em 1986, quando o quarto filme de Jornada nas Estrelas havia sido lançado, e a Paramount havia anunciado A Nova Geração, a sede por mais episódios e aventuras da Enterprise era alta. Os fãs haviam passado anos a fio sem conteúdo novo, principalmente levando em conta o cancelamento da série original.


Em 2002, a situação era a oposta.


Jornada nas Estrelas havia saturado. Nesse período de 15 anos (1987-2002), houveram quatro seriados e seis filmes. Foram mais de 500 horas de conteúdo produzidas. E claro que neste processo, tanto o interesse do público foi caindo como a qualidade de várias obras também foram se esvaindo. Quando se produz tanto material, é inevitável que os roteiristas comecem a se repetir, e na tentativa de se diferenciar, acabam produzindo resultados nem sempre satisfatórios.


Para todos os envolvidos, incluindo o produtor Rick Berman e o elenco, havia chegado a hora de concluir A Nova Geração. A série havia terminado em 1994, após 178 episódios, a fim de seguir em frente nas telas de cinema. Agora era a hora de pôr um fim também nessa etapa.


Jornada nas Estrelas: Nêmesis foi vendido e promovido pelo estúdio como a aventura final de Picard e companhia. Berman queria agradar ao estúdio após a recepção morna de Insurreição e entregar uma obra menos indulgente e mais comercial, mas com apelo dramático que também agradasse a críticos. Como seria a resposta de muitos, a tendência era de emular o que já havia sido feito. Assim começou uma de várias tentativas de recriar A Ira de Khan.


Para tanto Berman contou com os talentos do roteirista John Logan. Para quem não reconhece o nome, Logan tornara-se famoso e respeitado após roteirizar o filme Gladiador, com Ridley Scott. Logan era fã de Star Trek e fazia questão de participar do processo.


Outro que teve input considerável no roteiro foi Brent Spiner, amigo próximo de Logan (e que trouxe o roteirista à bordo). Para o ator, já era hora de dar um fim ao Data. O fato do personagem ser um andróide que não envelhece estava atrapalhando a verossimilhança, levando em conta o envelhecimento do ator, e Spiner estava ciente disso. Para ele, era melhor ter uma resolução definitiva e não ficar preso a um papel que ele jamais teria condições de continuar, independente dos avanços em maquiagem.


Contudo, havia a questão do diretor. LeVar Burton, que já tinha um impressionante currículo, tendo dirigido diversos episódios da Nova Geração, Deep Space Nine, Voyager e Enterprise, estava mais do que pronto para assumir seu primeiro longa-metragem, com pleno apoio de Berman. Entretanto, a Paramount fez questão de colocar sua própria escolha, passando por cima do produtor. Stuart Baird havia salvado o estúdio como diretor e editor em vários longas. Até por isso, fica a impressão de que a Paramount lhe devia um favor.


O elenco não se deu bem com Baird, especialmente Burton, cujo nome supostamente era pronunciado de forma incorreta pelo diretor. Baird não fez questão de assistir a nenhum dos episódios do seriado na pré-produção. Eles apenas assistiu aos filmes anteriores por obrigação, e fez questão de afirmar repetidamente que não tinha paixão nenhuma por Jornada nas Estrelas.


Na tentativa de extrair o maior lucro possível da franquia, o estúdio desceu a mão e tentou impor o máximo de condições durante a produção. Uma das demandas era uma aparição de Jeri Ryan como a personagem Seven of Nine, de Voyager. O estúdio queria o público adolescente a qualquer custo. Ninguém concordava com isso. A própria atriz teve de justificar que a presença dela não faria sentido algum com personagens que não faziam parte de seu círculo. No fim, o filme acomodou uma breve cena com a agora promovida Almirante Janeway (Kate Mulgrew) que transmite ordens do comando da frota para Picard.


Um elemento mal-explicado é a volta de Worf (Michael Dorn) para a Frota Estelar. No final de DS9, havia sido definido que Worf se tornaria embaixador dos Klingons para a Federação. No filme, ele está de volta à Enterprise sem explicação nenhuma. Esse já tinha sido um problema em Insurreição, que nem fez questão de mencionar o porquê dele deixar a estação de Sisko e visitar a Enterprise no meio de uma guerra.


Outra omissão neste filme é o chip emocional de Data. Desta vez nem é mencionado. É como se nunca o tivesse instalado. Ele se encontra tão cético e desprovido de emoções quanto no seriado.


Tematicamente, a trama lida com conclusões. Riker e Troi estão casando, e deixando a Enterprise para que Riker assuma comando de uma nova nave. A Dra. Crusher está deixando a nave para assumir o departamento de medicina da Frota Estelar na Terra. Pela primeira vez em 15 anos, a tripulação passa a seguir caminhos separados. Logo após o casamento, a tripulação descobre partes de um andróide idêntico a Data em um planeta deserto. Eles recuperam as partes e montam o andróide, conhecido como B-4, um projeto de Noonian Soong que não teve o mesmo cérebro positrônico que permitiu o funcionamento de Data e Lore.


Enquanto isso, ocorre um golpe de estado em Romulus. Os Remans, uma raça que sempre viveu subjugada pelos Romulanos, assume o poder, só que a figura central na hierarquia é um ser humano conhecido como Shinzon. A Enterprise é chamada para a região, e Shinzon se encontra com Picard, revelando que ele é um clone do capitão. Shinzon foi clonado do DNA de Picard como parte de um plano de infiltração Romulano que foi abortado e o jovem clone foi abandonado como escravo no planeta Remus. Agora, ele precisa do sangue de Picard para curar uma doença genética decorrente do processo. Shinzon mostra suas intenções ao atacar mentalmente Deanna Troi, e em seguida raptar Picard.


B-4 faz parte do plano dos Romulanos quando foi descoberto que Shinzon havia plantado ele como espião, capaz de transmitir todos os códigos e posições de naves da Federação. Data é forçado a desativar alguém que poderia ter sido um irmão. Picard é raptado e Data o resgata. A Enterprise viaja rapidamente de volta para a Terra, sendo perseguida pela implacável nave de Shinzon, a Scimitar, que possui uma arma de radiação capaz de incinerar todos os habitantes do planeta. Em batalha, a Enterprise consegue apoio de naves Romulanas, mas não são suficientes para deter Shinzon, que abre rombos na nave. Picard se entrega para salvar inúmeras vidas. Ele derrota Shinzon em combate físico, mas não consegue voltar para a Enterprise devido a um defeito no teletransporte. Data voa pelo espaço até a Scimitar para salvar Picard. A Scimitar está para explodir devido a um acúmulo de energia da arma radioativa. Data coloca um sinalizador em Picard, fazendo com que seja transportado para fora dali. Em seguida, dispara um phaser no reator de energia e sacrifica sua vida, explodindo com a nave.


A tripulação lida com a morte de Data. A Federação abre discussões de paz com os Romulanos, e Picard descobre que B-4 pode ter o potencial de se tornar tão completo quanto Data um dia.


Logo de cara, se percebe os paralelos com o segundo filme. A morte de Data foi o exemplo mais claro disso. Ao mesmo tempo, havia ainda a hipótese de ainda terem mais aventuras. Por isso a existência de B-4.


O maior problema do filme é a direção e a edição. Em matéria de roteiro, ele se sai até melhor que Insurreição. A Paramount insistiu em cortar o excesso do filme ao máximo, e a direção de Baird sempre privilegiou cenas de ação. Se olhar para sua filmografia, verá que é geralmente o caso. O filme corre de uma cena para outra, com pouquíssimo foco nos personagens. Quando o filme foi lançado em DVD/Blu-Ray, foi revelado uma quantidade enorme de cenas cortadas que teriam dado melhor foco aos personagens. A Nova Geração sempre foi uma série focada na dinâmica entre eles e como eles reagiam a cada situação. Os filmes sempre tentaram dar uma acelerada no ritmo televisivo, com mais ação e menos debate. Mas Nêmesis exagerou na dose com essa edição. Supostamente, a montagem original tinha cerca de duas horas e meia. Várias cenas de personagens lidando com o fato de que esta seria a última missão foram omitidas. Whoopi Goldberg teve sua presença reduzida. Wil Wheaton teve todas as suas falas cortadas. Pelo menos mostraram a cena em que Picard libera Riker para assumir seu novo comando.


Vale destacar alguns pontos positivos. Shinzon foi interpretado por um então jovem e pouco conhecido Tom Hardy. Ele faz um belo trabalho com o personagem, mostrando uma fração do potencial que ele mostraria mais tarde em sua carreira. Ron Perlman, de Hellboy, também faz um trabalho decente como o Vice-Rei dos Remans, responsável pela segurança de Shinzon.


A cena final em que Picard ouve B-4 cantando a música que Data havia cantado é excelente, e ele segue para a ponte na esperança de que a vida segue em frente, e eles continuarão vivendo novas jornadas. Considero essa uma das melhores cenas do filme.


E claro, Patrick Stewart transmite mais uma performance admirável como Picard, dando foco em sua decepção e vontade que Shinzon, sendo clone dele, desenvolva e estimule seus melhores intintos como pessoa.


A questão de Picard e Shinzon serem clones podia ter dado um filme bem mais cerebral e inteligente. Infelizmente, a trama deixa essa ambiguidade de lado quando se torna ao mesmo tempo um filme de terror psicológico (o estupro mental desnecessário para demonstrar sua maldade) e um filme de ação com pouquíssima lógica ou motivação.


Não teria sido uma situação tão desagradável se fosse apenas mais um filme, até porque é uma aventura que merece ser vista. O problema é que foi a aventura final da Nova Geração. As expectativas, que já eram altas, acabaram por não serem atendidas.


O problema principal, além de Baird, era o estúdio que já não era mais o mesmo estúdio que havia produzido Generations e Primeiro Contato. Estúdios mudam de regimes com muito mais frequência do que em mandatos políticos. Os responsáveis pela Paramount em 2002 já não tinham o mesmo conhecimento de Jornada, e não tinham o mesmo respeito. Com a competição elevada no mundo blockbuster, Nêmesis enfrentou competição pesada.


2002 foi um ano repleto de lançamentos badalados e pesados. Tivemos Harry Potter, O Senhor dos Anéis, Homem-Aranha, Star Wars: Episódio II, dentre vários outros. Nêmesis foi lançado na mesma semana em que O Senhor dos Anéis: As Duas Torres.


Resumindo, por mais que Star Trek tivesse histórico, essa era uma batalha de Davi contra Golias. Um filme da trilogia do Senhor dos Anéis tinha o triplo do orçamento que os filmes de Jornada tinham. O marketing também era em outro nível. A escala dos efeitos visuais e da narrativa nunca havia sido vista no cinema. Nêmesis repetia a estética de Jornada, que já era mais do que conhecida. Um dos motivos pelo qual a Paramount cortou uma hora de conteúdo do filme foi para conseguir encaixar mais sessões nos cinemas, já que Senhor dos Anéis era um filme com mais de 3 horas de duração. Não deu nem um pouco certo.


O resultado final foi quase desastroso. Nêmesis foi o único filme de Jornada a ter prejuízo na bilheteria. E assim Jornada nas Estrelas ficou anos ausente do cinema sem novos capítulos.


É uma pena, porque dá para ver que o filme tinha potencial. Se tivessem restaurados as cenas cortadas, o resultado final provavelmente teria sido mais impactante. Nêmesis mostra pelo menos que tanto o elenco quanto os produtores levam a franquia à sério. As cenas de batalha* foram algumas das mais dinâmicas e bem filmadas desses filmes**. Principalmente, a cena em que a Enterprise literalmente arromba a frente da Scimitar foi impactante, e algo até então não visto na série.


*Durante a batalha, a ponte da Enterprise é literalmente destruída, e tripulantes são sugados para o espaço antes do campo de força ser ativado.


**No início da batalha, quando Worf seixa seu posto para deter uma invasão de soldados Reman, um oficial de segurança assume seu lugar. Ele é interpretado por Bryan Singer, diretor dos filmes dos X-Men, e amigo de Patrick Stewart. Singer é um fã apaixonado da franquia e conseguiu essa ponta.


A trilha de Jerry Goldsmith para esse filme foi diferenciada e inspirada. Completamente diferente dos temas anteriores de Jornada, ele compôs um dos temas mais bombásticos e distintos na franquia. Foi um dos últimos trabalhos do compositor, antes de sua morte em 2004*.


*Por sinal, DeForest Kelley havia morrido em 1999, e James Doohan morreria em 2005.


Por fim, considero Nêmesis um capítulo válido na história da Nova Geração. Infelizmente, foi o último. A verdade é que franquias como Jornada sempre teve dificuldades com finais ou conclusões. Para fãs, é uma questão difícil ter de largar aquilo que fazia parte de suas vidas. A série original nem teve uma conclusão. Foi cancelada com um péssimo episódio em que Kirk trocava de corpo com uma mulher. Voyager teve um final fraco e decepcionante, sem abordar as consequências da volta deles. As únicas séries que tiveram finais satisfatórios foram A Nova Geração e DS9. Dos filmes, pode-se dizer que o sexto filme foi uma conclusão satisfatória para o elenco original, mas Shatner voltou para morrer em Generations. Resumindo, finais são complicados de se concretizar e ao mesmo tempo agradar ao público. Não é a toa que tantos seriados de sucesso enfrentam esse problema.


Ao mesmo tempo, o seriado Enterprise, em sua segunda temporada, passava por sérias dificuldades de adquirir audiência, além de ter alguns episódios realmente decepcionantes. Realmente a franquia havia chegado a um ponto de fadiga. Com o regime da Paramount indisposto a apoiar produções, Jornada nas Estrelas acabou por ter suas suas atividades interrompidas por tempo indeterminado. Não era mais rentável. Até atores como Majel Barrett afirmavam que era hora da obra de Gene Roddenberry ser deixada de lado por um tempo, para que desse tempo de renovar idéias e deixar com que os fãs criassem distância do excesso de produções para relembrar o apego e sentir falta novamente.


Não que Rick Berman tenha desistido. Logo após o fracasso de Nêmesis, ele começou a desenvolver um novo roteiro para um novo filme. Um filme que tomaria um rumo completamente diferente de tudo que havia sido feito antes. Contudo, este filme não se tornaria realidade, e a Paramount logo tomaria um novo rumo com a franquia, surpreendendo a todos que imaginavam que Jornada nas Estrelas.


E assim, por tempo indeterminado, os filmes chegaram ao fim. Fique com duas cenas de Nêmesis, logo abaixo:






Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 12:34  

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